Enquanto
o mundo pensa no pós-pandemia, Brasil se vê envolto na discussão sobre limites
fiscais rígidos demais
Uma
frase banal - fazer do limão uma limonada - move quem está pensando na economia
da era pós-covid. Ainda que as aflições com o desastre humanitário global em
andamento desencorajem esse olhar economicista, muitos países já puseram o tema
em discussão e tomam medidas olhando para o futuro imediato.
Quem
prestou atenção nos discursos da Cúpula do Clima da semana passada viu o
“caminho das pedras” da nova economia. A ideia geral é que o principal
mecanismo para criar empregos após a pandemia serão os investimentos na
economia verde.
O presidente dos EUA, Joe Biden, está presenteando os americanos com um programa econômico que vai muito além do auxílio emergencial. Já aprovou um pacote de estímulos fiscais de US$ 1,9 trilhão e propõe investimentos de longo prazo de até US$ 3 trilhões. Esta segunda parte é a limonada, porque aproveita a crise para sugerir uma grande transformação estrutural da economia americana, ao mesmo tempo em que promete reduzir as emissões de gases-estufa em 52% até 2030. Pode parecer estranho, mas a infraestrutura americana está velha e precisa ser renovada. Não há no país, por exemplo, ferrovias de alta velocidade, coisa comum na Europa. As novas linhas de trens devem substituir transporte aéreo, altamente poluidor.
Então
Biden quer renovar a infraestrutura do país e, ao mesmo tempo, descarbonizar a
economia, que é para onde vai a fronteira tecnológica em função do aquecimento
global. Além disso, ele promete investir em educação e saúde pública com
recursos obtidos pela maior taxação dos ricos americanos.
O
plano Biden, pela sua enorme dimensão, provoca controvérsias. As declarações
que mais preocuparam foram as do ex-secretário do Tesouro Larry Summers, por
ser um economista de centro-esquerda, que teoricamente deveria apoiar o
investimento público. Summers acha que o pacote fiscal, grande demais, pode
gerar inflação de demanda, alta de juros e recessão.
Com
ou sem polêmica, o fato é que os americanos já planejam a economia do pós-covid
e pouco se lixam com o aumento dos gastos. Europeus vão pelo mesmo caminho. Na
França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, mandou às favas o
neoliberalismo e disse que vai proteger a economia francesa “a qualquer custo”.
Prometeu investir para garantir soberania e domínio de tecnologias que “moldam
o futuro” do país. Vai proteger as empresas com taxações e novos
financiamentos. A ideia é “reinventar o modelo econômico do país” com base na
inovação e na indústria livre de carbono.
Enquanto
o mundo pensa no pós-pandemia, aqui o governo ainda aposta na cloroquina,
provocando gargalhadas no exterior. Promessas, como as feitas na Cúpula do
Clima, soam falsas. O comando econômico só pensa em conter gasto público. A
discussão da política macroeconômica se limita ao teto de gastos, jabuticaba
pouco razoável num momento em que mundo decidiu aplicar recursos para combater
a doença e renovar a economia nos novos parâmetros.
Nem
no incentivo ao carro elétrico, óbvia tendência mundial, estamos pensando
ainda, como mostrou Marli Olmos no Valor de
ontem. Não se trata de defender a ideia de que o bom para os EUA ou para a
Europa é bom para o Brasil. Trata-se de seguir o rumo da economia mundial ou de
ficar sentado na sarjeta, chorando e esperando pelos milagres da cloroquina ou
do teto de gastos.
José
Luis Oreiro, professor da UNB, que acaba de lançar o livro “Macroeconomia da
Estagnação Brasileira” em parceria com Luiz Fernando de Paula, anda enfurecido
com o que chama de “fé no teto sacrossanto”, que só existe no Brasil com esse
rigor, incluído na Constituição e com poucas regras de saída. “Se preservar o
teto, a economia cresce; se violar, não cresce”, esse é o dogma. “Por que?”,
pergunta.
Em
tempo: na opinião de Oreiro, Summers está equivocado e “Biden deve ficar para a
história como o novo Roosevelt”.
Pontes abertas
Mudando
de assunto, mas nem tanto, os quadrinhos acima, uma velha metáfora comum nas
paredes de barbearias dos anos 1960, representam bem o que vêm fazendo as duas
forças políticas progressistas do país há quase três décadas. Nunca saíram do
primeiro quadrinho e foi preciso aparecer um radical totalitário para
desconfiarem que estão no mesmo lado. Ameaçam agora passar para o segundo
quadrinho.
As
propostas das duas não são conflitantes. Quando governaram, controlaram
inflação, buscaram crescimento, reduziram analfabetismo e mortalidade infantil,
tiveram a responsabilidade fiscal possível e melhoraram a distribuição de
renda. Seria utopia pensar numa aliança progressista entre elas? As pontes
estão abertas. Mas será preciso superar ambições pessoais de poder em ambos os
lados e alguém tomar a iniciativa de atravessar as pontes. As propostas podem
ser mescladas para salvar um país entregue a quem não faz planejamento
econômico, ignora a ciência e o desafio ambiental, descuida da educação e da
saúde e promove discórdias.
Se não se unirem, as duas forças serão condenadas pela história. Pode dar com os burros n’água a ideia de deixar a centro-esquerda de fora e formar um bloco puro-centro, que é móvel, infiel e fragmentado, como mostrou pesquisa publicada sexta-feira pelo Valor. Também não há como isolar de um acordo a centro-direita, porque a esquerda não forma maioria. Não seria melhor escantear os extremistas, parar, negociar e decidir se vão comer juntos primeiro as mortadelas da esquerda ou as coxinhas da direita?
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