Reduz-se
cada vez mais a despesa essencial para o funcionamento da máquina pública
É
sintomático que o Orçamento de 2021 tenha sido sancionado em bases irrealistas.
Os cortes promovidos pelo Poder Executivo devem permitir o cumprimento do teto,
mas ao preço de desmontar o Estado brasileiro. Na ausência de mudanças
estruturais no gasto obrigatório, reduz-se cada vez mais a despesa essencial
para o funcionamento da máquina pública.
O
chamado shutdown não acontece da noite para o dia. Na verdade, políticas
públicas essenciais estão sendo desidratadas ao longo dos últimos anos. Dada a
opção pelo teto de gastos, mas sem avanços para conter a despesa mandatória, a
fatura vai recaindo sobre o gasto discricionário (mais exposto à tesoura).
Em 2021, o caso do censo demográfico é emblemático. Em pleno ano de pandemia, quando se processam mudanças sociais e econômicas profundas, o Ministério da Economia anunciou que a pesquisa não será realizada. Motivo? Falta de orçamento.
O
último censo realizado foi em 2010 e custou R$ 1,1 bilhão. Atualizado pelo IPCA
e pelo aumento do número de domicílios, o orçamento do programa deveria ser de
R$ 2,8 bilhões em 2021. O censo fundamenta a análise, o planejamento e a
formulação de uma miríade de políticas sociais, econômicas, educacionais, etc.
Os cortes anunciados levaram o orçamento dessa pesquisa a cerca de R$ 53
milhões. Na verdade, esse gasto não será sequer suficiente para preparar a
realização do censo em 2022.
As
despesas discricionárias do Executivo estão orçadas em R$ 74,6 bilhões para
2021. É o menor nível da série. O Ministério da Educação ficou com R$ 8,9
bilhões. Somando as emendas de relator-geral, vai a cerca de R$ 10 bilhões. Em
2016 as despesas discricionárias executadas nessa área totalizaram R$ 21,8
bilhões. Isto é, o valor de 2021 corresponde à metade do observado cinco anos
atrás. Isso sem considerar a inflação do período. Isto é, uma redução brutal.
Na
pasta da Saúde, as discricionárias do Executivo ficaram em R$ 15,5 bilhões,
apenas meio bilhão acima do valor observado em 2016. Somando as emendas de
relator-geral remanescentes (após os cortes do presidente da República), esse
valor sobe para R$ 23,3 bilhões. Ainda assim, é um patamar muito baixo,
sobretudo quando comparado a 2020 (o dobro), que também foi um ano de pandemia.
O
governo argumenta que os recursos adicionais necessários à saúde serão
executados por meio dos chamados créditos extraordinários, que de fato estão
sendo autorizados por medidas provisórias. Aliás, alterou-se o texto da Lei de
Diretrizes Orçamentárias para deixar essas e outras despesas novas de fora da
meta fiscal de déficit primário fixada em lei (receitas menos despesas, exceto
juros da dívida).
Em
benefício da transparência, o ideal seria ter mudado a meta de déficit (R$
247,1 bilhões). A outra regra fiscal, o teto de gastos, já estaria resolvida,
porque todo crédito extraordinário – desde que justificadas a imprevisibilidade
e a urgência – não é contabilizado nas despesas sujeitas ao limite
constitucional. Estimo, preliminarmente, que o déficit primário efetivo, o que
afeta a dívida pública, poderá ficar em torno de R$ 290 bilhões neste ano.
Mais
um exemplo da situação crítica das despesas de custeio e manutenção da máquina
e de programas essenciais está no Ministério das Relações Exteriores. Após os
cortes e bloqueios, o Itamaraty contará com despesas discricionárias de R$ 551
milhões. Em 2016, o orçamento foi quase três vezes maior (R$ 1,5 bilhão).
Na
verdade, o remanejamento de verbas promovido via vetos ao Orçamento e bloqueios
de despesas por decreto promoveu um corte geral de cerca de R$ 29 bilhões. Esse
valor é próximo das contas feitas pela Instituição Fiscal Independente (IFI),
R$ 31,9 bilhões, em março. No início da semana passada o governo soltou na
imprensa que R$ 20 bilhões seriam suficientes para cumprir o teto de gastos.
Errou.
Os
cortes realizados mantiveram um orçamento elevado para áreas como
Desenvolvimento Regional, cuja discricionária total (Executivo) será de R$ 1,5
bilhão mais R$ 6 bilhões em emendas de relator-geral não atingidas pelos vetos
presidenciais. Em 2016 gastou-se R$ 1,3 bilhão e em 2020, R$ 4,4 bilhões.
Se
o risco de paralisação de políticas essenciais se materializar, como é provável
que continue a ocorrer, o governo sofrerá pressões para desbloquear o que foi
tesourado por decreto. Os vetos, vale dizer, só poderiam ser revertidos pelo
Congresso. Esses cortes deverão preservar o teto, mas de maneira perigosa e
ineficiente.
No
ano passado o governo não planejou o Orçamento público de 2021 para um cenário
de recrudescimento da crise pandêmica. O plano deveria ser realista e coerente
com a responsabilidade fiscal. Já se sabia das dificuldades a serem enfrentadas
neste ano, dos riscos de novas ondas da covid-19 e da precariedade social, econômica
e fiscal.
O
“deixa como está para ver como é que fica” custou caro. Após os cortes, pode-se
até cumprir o teto, mas não sem um desmonte do Estado brasileiro. Ou isso ou
vão acumular uma montanha de contas a pagar para 2022.
*Diretor Executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI)
Nenhum comentário:
Postar um comentário