segunda-feira, 26 de abril de 2021

Miguel de Almeida - Sete tipos de bozofrenia

- O Globo

Tantas milhares de mortes depois, qualquer cidadão menos tapado se pergunta qual seria o Deus (ou deus) em que acredita o Bozo. O Malafaia, que ganha dinheiro nessa seara, e é seu conselheiro, ao deixar de ler o livro-caixa, ajoelhado no milho, teria a resposta?

John Gray, filósofo britânico, em seu estupendo “Sete tipos de ateísmo”, ajuda a matar a charada. Bozo pertence em carne e osso à categoria dos seres pré-adâmicos. Ainda na Renascença, Paracelso e depois Isaac La Peyrère extraíram do “Gênesis” a interpretação de que a Terra já era habitada por outros homens antes da chegada barulhenta de Adão. Como não eram criação divina, vieram destituídos de alma; daí sua falta de empatia com o destino das criaturas de Deus.

Taí. Como os neandertais, os pré-adâmicos continuam entre nós, miscigenados. Embora disfarce com o Messias no nome, Bozo, rematado (nasceu sem alma) representante da espécie, deu voz a seu exército saído das trevas.

Como existe um lulopetismo, há à mão a bozofrenia — hoje uma síntese de atraso, ignorância e falta de asseio mental, curiosamente mesclado a um autoritarismo cristão. Sem ser uma ideologia, não deixa de ser um sistema de ideias do contra, amarfanhadas para negar a expectativa de haver uma evolução humana.

Negam o conceito de progresso e desenvolvimento contínuos. Não há um processo histórico, apenas histérico (como, aliás, Marco Aurélio, não o do STF, mas o imperador romano e filósofo estoico, reclamava das epifanias cristãs).

Em luta contra o progresso, a bozofrenia se porta como os luditas em confronto com as máquinas no início da Revolução Industrial. Enxerga na ciência, na cultura e na concórdia de valores o inimigo a destruir… — quase escrevi o diabo a derrotar, mas, no caso, seria dar um tiro no pé.

O método bozofrênico se assemelha a várias seitas anteriores a Jesus Cristo, todas desconfiadas da impossibilidade de aprimoramento humano. Acostumados a jejum em meio ao deserto, as alucinações dos malucos ainda são tomadas como milagres por alguns, porém os bozofrênicos praticam a visão deles de um ato apocalíptico baseado na destruição.

A destruição é o objetivo final. Por isso, entre outras coisas, exigem fiéis nos cultos na alta temporada da Covid-19. Não há culpa, nem empatia, porque são pré-Dez Mandamentos (não matarás, não roubarás). Quero todo mundo armado! Vamos passar a boiada!

A dicotomia inventada pela bozofrenia também é falsa. Falam em economia x saúde. Você ouve Paulo Guedes e ali sente alguma empatia? Autointitulado seguidor da Escola de Chicago (a que matou mais gente que Al Capone), é um pregador morto, ultrapassado em vida pela história. Ou como ele explica a política econômica de Biden, com seus trilhões, e mesmo de Angela Merkel? Não ouvi o Guedes criticar os privilégios das aposentadorias dos militares, você ouviu ele lutar por aumento de verbas na educação? Na escala bozofrênica, a filha solteira dos milicos é mais importante. Ok, Guedes não é um posto elétrico; é fóssil.

Não é de estranhar a foto (oficial) de Ricardo Salles diante das toras abatidas de madeira. No país de Tom Jobim e Guimarães Rosa! Solta a boiada e persegue a destruição. Salles sabe que um hectare de plantação sustentável como o açaí rende mais do que um hectare como pasto para gado. Não percebe na bovinice de Pazuello o mesmo matadouro que terá de enfrentar em breve.

Como, no Brasil, o roteirista é mal pago, o lulopetismo se coloca como alternativa e salvação. Você lê o plano de Biden para transição climática, de apoio a energias renováveis e processos industriais sustentáveis, só que, de repente, volta à lembrança o discurso de que o pré-sal seria um bilhete premiado. Aquilo deve ter sido ideia do Cerveró… No mesmo instante em que a China ultrapassava a Alemanha no uso de energia solar e produção de baterias para carros elétricos. Lembra ainda o apoio financeiro dado à Odebrecht em obras na Venezuela e a escolha estratégica da JBS para ser uma multinacional do bife.

Parece haver uma conexão — não divina, mas pré-adâmica e bozofrênica.

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