O
momento em que mais precisamos da Corte, é quando ela enfrenta os maiores
ataques
“Por que eu vou ser o único presidente da
Argentina a não ter a sua própria Corte?”
Foi
assim que Carlos
Menem (1930-2021) justificou sua iniciativa de criar uma maioria na
Suprema Corte argentina. O
caso ilustra um paradoxo já identificado na literatura: um Judiciário
independente é difícil de emergir nos contextos em que se faz mais necessário;
e fácil de se consolidar onde ele não importa.
Nas
democracias maduras, como a Inglaterra, a Suprema Corte não importa muito.
Tanto que uma só foi criada no país em 2009. Há um equilíbrio institucional
robusto que dispensa não só sua existência mas também a adoção de uma
constituição escrita.
Em regimes autoritários, as cortes importam pouco porque neles elas são facilmente manipuláveis. O efeito é não linear: elas importam muito nos casos intermediários. É nos casos de mudança de regime ou alternância de poder entre forças políticas díspares que o Judiciário adquire centralidade política. Nas democracias estabelecidas isso só ocorre em situações muito raras (EUA sob Trump). Estou tratando aqui de centralidade política; não protagonismo em questões morais e comportamentais.
No caso do STF, sua
centralidade política alcançou contornos sem paralelo em democracias. Seu
hiperprotagonismo é magnificado por três fatores: seu papel como corte criminal
em contexto em que ocorreu um dos maiores casos de corrupção já registrados e
que atinge uma massa inédita de agentes políticos, inclusive três presidentes
da República; a contenção que exerce em relação a um Executivo autoritário e
populista, cujo discurso é abertamente antidemocrático; e pela elevada
heterogeneidade política —que é produto da alternância— e modus operandi individualizado.
Este
último se expressa no ativismo processual e produz intensa cacofonia. O
individualismo é insidioso: os casos controversos em que a corte atuou de
ofício, sem ser provocado (caso da Revista Crusoé), o leitmotif que deflagrou o
processo foi o envolvimento de um membro do próprio Supremo nas denúncias.
E
o que é muito mais grave: motivações individuais ligadas à Receita Federal e a
Lava Jato parecem explicar a alteração de voto e a reviravolta ocorrida no
julgamento de Lula.
Inicialmente
restrito à esquerda, a ofensiva à Corte concentra-se recentemente no
bolsonarismo. Como
mostrou Gretchen Helmke, em análise de 472 casos na América Latina, há
expressiva correlação negativa entre ataques às Supremas Cortes (impedimento de
juízes, CPIs, intervenções etc) e a avaliação que desfrutam junto à opinião
pública.
O
momento em que mais precisamos da Corte, é quando ela enfrenta os maiores
ataques. E seu maior desafio.
*Professor
da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da
Universidade Yale (EUA)
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