Mário
Sérgio Duarte Garcia foi um apóstolo da missão de postular em nome alheio
Mário
Sérgio Duarte Garcia não ocupou nenhum cargo público a não ser o de secretário
de Justiça do Estado de São Paulo, nos anos de 1987, 88 e 89. Tive a honra de
suceder-lhe em 1990.
Serviu
à sociedade paulista e brasileira advogando relevantíssimas causas em prol dos
interesses nacionais sem exercer nenhuma função governamental. Poucos no
Brasil, nessas condições, trabalharam como ele pelo bem comum.
Presidiu
a Associação dos Advogados de São Paulo, a Ordem paulista e a federal e teve
intensa atuação por sete décadas em numerosas entidades e instituições.
Participou durante esse período de todas as empreitadas em prol da construção
de um País livre e democrático.
Inicialmente, Mário Sérgio, com grande ardor, contribuiu decisivamente para o retorno ao Brasil dos que dele haviam sido obrigados a sair. A campanha pela anistia, primeiro como presidente da Associação e depois da Ordem, teve nele um dos seus mais importantes arautos. Mobilizou a advocacia para essa que seria uma conquista humanitária memorável.
Aqueles
que se opunham ao governo militar estavam sendo constantemente alvos de
violência física, prisão e tortura. As mais eloquentes vozes eram as dos
advogados. Mantinha-se a tradição das nossas lutas contra o autoritarismo.
Desta
forma, a repressão passou a nos atingir. Foram inúmeras as incursões de Mário
Sérgio, Cid Vieira de Souza e Raimundo Paschoal Barbosa, dentre outros, aos
quartéis, a delegacias, ao Dops, à procura de advogados presos, ou melhor,
sequestrados.
Célebre
pelo destemor foi a sua participação no episódio da prisão de Dalmo Dallari e
de José Carlos Dias, levados ao Dops. Mário ingressou no prédio da General
Osório e logo avisou ao delegado responsável: “Doutor, quero lhe dizer que
considero-me também preso. Só sairei com eles”. Todos foram libertados.
Os
brasileiros queriam votar. Eleições diretas para a Presidência da República
representavam o início da redemocratização, que, no entanto, só se
concretizaria com uma nova Constituição, cuja campanha também já estava em
curso.
Mário
foi escolhido presidente da Comissão Suprapartidária para as Diretas.
Extraordinário movimento cívico. A OAB , juntamente com a Associação Brasileira
de Imprensa, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e outras entidades
organizaram comícios e passeatas memoráveis. Em São Paulo, 1 milhão de pessoas
clamaram pelo direito de eleger o presidente da República.
Os
sonhos de Mário Sérgio, que eram os da sociedade brasileira, não haviam
cessado. O Brasil necessitava de uma nova ordem jurídica para a fixação dos ideais
e dos princípios inerentes a um Estado livre e democrático. Precisava de uma
nova Constituição. Mário, não mais na presidência da OAB, continuou a servir ao
País, pois teve participação decisiva na campanha pela Constituinte.
Nesse
período, o Brasil testemunhou a implantação da intolerância e do ódio, que
vitimaram centenas de homens e de mulheres, mortos ou desaparecidos.
A
Ordem do Distrito Federal foi incendiada e invadida por tropas militares. A
secretária da Ordem federal, dona Lyda Monteiro, faleceu vítima de uma
carta-bomba. Presenciaram-se bombas explodirem, lançadas por ambas as facções.
Peças de teatro serem interrompidas com violência. Bancas de jornal,
destruídas. Assalto a bancos e atos de funestas consequências praticados pelos
dois lados.
Creio
que em nome de todos os companheiros de Mário Sérgio posso assumir um
compromisso solene de que resistiremos ardorosamente contra tentativas de um
retrocesso institucional ou de supressão das liberdades. Afirmamos que enquanto
houver advocacia haverá resistência.
Aliás,
esse compromisso corresponde a um seu anseio de mudança atual. Com ímpetos
juvenis, deplorava aquilo a que assistia no País.
Mário
foi um apóstolo da sagrada missão de postular em nome alheio. De advogar.
Aguçada percepção das questões jurídicas, esmero na escrita e na oratória,
elegância no trajar, absoluto respeito às normas éticas, serenidade, mas rigor
na defesa das prerrogativas, constituíram algumas características desse que foi
um dos mais notáveis advogados brasileiros.
Sobre
o homem, a unanimidade o consagrou quase como um santo homem. Com defeitos,
mínimos, eu diria, porque era humano. É verdade que os santos católicos também
o eram. Foram canonizados conforme os critérios da igreja. Mário, no entanto,
já foi beatificado e canonizado por todos os que o conheceram.
Foi,
sobretudo, um homem bom. Bondade natural, espontânea, sem artifícios ou
demonstrações exteriores. Possuía um olhar complacente para com as mazelas
humanas. Ele as compreendia. Não era maniqueísta, sabia da existência sempre do
lado negativo e do lado positivo de todas as pessoas e coisas.
Eu
repito aqui o que já dissera alhures: tive lições sobre a arte de viver com um
dos melhores homens que conheci. Talvez não tenha sido um bom aluno. Mas o que
assimilei me tornou um pouco melhor.
As
lágrimas vertidas por sua partida vão regar o imenso e fértil campo de amor que
ele cultivou e gerou a imorredoura gratidão dos seus venturosos amigos.
*Advogado
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