domingo, 23 de maio de 2021

Eliane Cantanhêde - Do Brasil para o mundo

- O Estado de S. Paulo

Núcleo paralelo articula levar pacotaço com relatório final da CPI a cortes internacionais

Um núcleo de oposição ao presidente Jair Bolsonaro articula um destino prático e explosivo para o relatório final da CPI da Covid no Senado, com seus depoimentos, mentiras e sobretudo as provas do desleixo ou má-fé no combate à pandemia. Esse destino são as cortes internacionais, tanto a Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, quanto a de Justiça, em Haia, na Holanda.

Os atos e omissões do governo federal e do presidente Bolsonaro já são fartamente conhecidos e documentados em vídeos, áudios e textos, mas as mentiras dos governistas e os documentos, cartas e e-mails que chegam à CPI dão consistência jurídica à realidade já sabida e embasam processos contra os responsáveis.

Exemplos: a plataforma TrateCov oficializando a cloroquina para a Covid; as mais de uma dezena de mensagens enviadas pela Pfizer ao governo oferecendo vacinas, sem resposta; as manifestações da empresa White Martins e dos governos dos EUA, do Amazonas e da Venezuela, antes e durante a crise do oxigênio em Manaus. E vai por aí afora.

A exposição ao vivo dos vários depoimentos (atual e ex-ministros da Saúde, ex-chanceler, ex-secretário de Comunicação, presidente da nossa Anvisa e presidente da Pfizer para a América Latina) já é bombástica. O saldo é negativo para Bolsonaro e seria injusto acusar os senadores governistas de incompetência. Contra fatos não há argumentos, certo?

Dentro e fora da CPI, discute-se o que fazer com a conclusão dos trabalhos, o relatório final pronto, acabado e assinado. Pedir impeachment na Câmara? Seria dar murro em ponta de faca. Encaminhar à PGR? Não levaria a lugar nenhum. Daí o movimento pró “força centrípeta”, de fora para dentro.

O núcleo inclui OAB e juristas de ponta, como ex-presidentes do Supremo, que produzem pareceres sobre crimes contra a humanidade, e há um monitoramento da profusão inédita de notícias negativas sobre a pandemia no Brasil em veículos como The New York TimesWashington PostThe GuardianEl País, BBC, La Repubblica...

O grupo também reúne estudos acadêmicos, inclusive o já citado nesta coluna, de professores do Insper, Ibmec e da Universidade de Toronto, no Canadá, sobre o número de mortos por Covid expressivamente superior em municípios onde Bolsonaro ganhou em 2018, ou seja, sobre a relação entre o negacionismo presidencial e a mortandade. E a mais recente encomenda do núcleo paralelo à CPI é a estatísticos: quantas mortes seriam evitadas com a negociação diligente de vacinas?

Os efeitos políticos da CPI, ou “novo BBB”, já ficam evidentes no linguajar do presidente da República, que nunca foi lá essas coisas, mas vem piorando, com uma avalanche de adjetivos contra os críticos, particularmente jornalistas: “canalhas”, “sem vergonha”, “lixo”, “idiotas”, “patifes”. Além de se referir a adversários políticos como “ladrão”, “vagabundo”... Esse linguajar revela desespero.

Já em relação a Ricardo Salles, alvo de busca e apreensão da PF, com autorização do STF e com base em denúncias do governo norte-americano, a coisa muda de figura. Esse é um “ministro excelente”, segundo o presidente, que também elogiou Eduardo Pazzuelo, Ernesto Araujo e Fábio Wajngarten, às vésperas de demitir cada um deles, por pressão e pelo óbvio.

A coisa, portanto, está feia para o presidente, que é alvo da CPI, mobiliza esse núcleo jurídico para levar um pacotaço de denúncias às esferas internacionais e até produz uma bandeira branca entre velhos aliados que se tornaram ácidos adversários. O longo almoço dos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique tem uma explicação simples: o “efeito Bolsonaro”, que une diferentes forças políticas contra o retrocesso e a favor da democracia.

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