É
difícil ter esperança em meio a tanta tristeza. Mas é preciso ter otimismo na
ação
O
bordão do economista Gilberto Nogueira, do BBB21,
caiu na boca do povo: “O Brasil tá lascado”. É a síntese deste tempo. Como ter
esperança diante do caos econômico e social? O Orçamento de 2021 não reflete a
dura realidade da crise e a necessidade de forjar a reconstrução da economia.
Pior, um novo mecanismo parece ter tornado viável espécie de barganha
assimétrica entre Executivo e Legislativo. Tudo passando ao largo do
fundamental: preservar vidas e desenhar um novo futuro.
A
gestão mal-ajambrada da crise da covid-19, a demora em tomar decisões
essenciais e a ausência de planejamento ajudam a explicar esse quadro. O
governo não está conseguindo vacinar a população no ritmo necessário e
guarnecer as famílias mais pobres. Falta tudo.
Os
que podem trabalhar de casa estão em situação melhor. Mas os mais pobres seguem
desempregados ou na luta diária arriscando-se no transporte público. Dados do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que a morte
atingiu em cheio os trabalhadores diretamente expostos ao vírus. No topo dessa
lista macabra (de abril de 2020 a março de 2021), motoristas de ônibus,
cobradores, vigias, porteiros e zeladores. É cruel.
Vai ser difícil reconstruir o País depois do desmonte. O capítulo mais recente foi revelado pelo repórter do Estado Breno Pires (9 de maio): R$ 3 bilhões do Orçamento da União de 2021 teriam sido utilizados pelo governo como moeda de barganha junto ao Congresso. O processo orçamentário já estava maculado pelo risco de paralisação da máquina pública. Agora, desvendam-se novos contornos.
As
chamadas emendas de relator-geral (classificadas como “RP 9” no Orçamento)
foram ampliadas a partir de cortes nas previsões de despesas da Previdência, do
abono salarial e do seguro-desemprego. A especificação do direcionamento desses
recursos – uma atribuição do Executivo –, no entanto, teria sido parcialmente
transferida para parlamentares, sem previsão expressa na Lei de Diretrizes
Orçamentárias. Como revelou o Estado,
parte dos recursos se destinaria à compra de tratores a preços acima dos do
mercado. Invertem-se prioridades, métodos e processos, para dizer o mínimo.
Ao
contrário das emendas tradicionais – impositivas e divididas igualmente entre
os parlamentares –, esse “novo jeito” de alocar recursos públicos revela que o
Executivo teria escolhido quem atender e quem ignorar. Peça de ficção é pouco
para classificar o episódio.
O
pano de fundo é a economia estagnada e sem perspectiva de melhora efetiva. O
crescimento esperado para 2021 deve-se majoritariamente ao carregamento
estatístico, isto é, à base deprimida de 2020, ano de recessão. De 1930 a 1980,
o produto interno bruto (PIB) per capita brasileiro crescia a 3,8% ao ano acima
da inflação; de 1981 a 2020, apenas 0,6%; e de 2011 a 2020, queda anual de
0,6%. Perdeu-se o bônus demográfico, quando a população em idade de trabalhar
aumentava mais, o que facilitava a tarefa de crescer.
A
produtividade da economia não reagirá na ausência de melhores investimentos e
de um ambiente de negócios favorável à atividade econômica. O relatório Doing Business, do Banco Mundial,
mostra que o Brasil ocupa a 184.ª posição (de 190 países) no quesito pagamento
de impostos. As empresas brasileiras gastam, em média, 1.500 horas ao ano para
atender ao fisco.
Nas
políticas sociais, Bráulio Borges mostrou que o chamado índice de Gini –
indicador da desigualdade de renda – melhora muito pouco quando se computam as
transferências, os incentivos e benefícios fiscais de toda sorte.
As
renúncias tributárias, por exemplo, correspondem a cerca de 4% do PIB e, em
geral, não beneficiam os mais pobres. É claro que não se deve jogar o bebê
junto com a água suja do banho. Isto é, as políticas de incentivo e de subsídio
podem ser feitas de outra forma: na base da transparência e da avaliação. Sem
isso, é jogar dinheiro pela janela.
Na
infraestrutura, Igor Rocha reuniu dados impressionantes: o investimento
brasileiro nessa área passou de 5,4% do PIB nos anos 1970 para 1,7% do PIB em
2016. O Chile e a Colômbia investem três vezes esse montante, a Índia gasta
mais de duas vezes e a China, mais de seis vezes. O economista estima que em
2020 o investimento em infraestrutura no Brasil deve ter ficado em R$ 123
bilhões, o mesmo patamar de 2016 em porcentual do PIB.
Não
há saudosismo em relação às décadas de 1930 a 1970. Nesse período a
desigualdade aumentou, apesar do crescimento. Também a hiperinflação foi sendo
gestada até atingir o ápice no período pré-Plano Real. A verdade é que, depois
da conquista da estabilização da moeda com aquele plano, remanesce o objetivo
de crescer sem inflação e reduzindo a pobreza extrema e a desigualdade de renda
e riqueza.
O
Brasil está mesmo lascado, Gil. Cabe à nossa geração o desafio de pensar e agir
“com vigor”. É difícil ter esperança em meio a tanta tristeza. Mas é
necessário, apesar do pessimismo no diagnóstico, ter otimismo na ação!
*Diretor Executivo da IFI.
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