O
isolamento brasileiro diante da histórica decisão do governo dos Estados Unidos
de apoiar a suspensão temporária de patentes de vacinas para Covid-19 é especialmente
emblemático porque nos permite fazer um retrato de hoje e de exatos 20 anos
atrás, quando vivemos uma epopeia oposta da diplomacia brasileira e cravamos
uma das nossas principais vitórias em organismos multilaterais, justamente no
tema de patentes para remédios.
Foi
em novembro de 2001, ainda sob os escombros do 11 de Setembro, que a mesma OMC,
palco da guinada de Joe Biden, aprovou, em sua 4ª Conferência Ministerial
realizada em Doha, no Qatar, uma resolução proposta inicialmente pelo Brasil
prevendo que, em casos de epidemias, os países-membros da organização poderiam
flexibilizar as regras de patentes previstas no Acordo de Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio e Saúde Pública (conhecido
como Trips).
A resolução foi o marco final do que ficou conhecido como “guerra das patentes”, uma ofensiva do governo FHC em várias frentes (diplomática, econômica e de comunicação) para pressionar a indústria farmacêutica a baixar preços dos medicamentos que compunham o coquetel anti-Aids, fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde, ameaçando com a quebra das patentes.
Corta
para 2021, quando um desarvorado Itamaraty foi pego totalmente de surpresa pela
mudança de posição dos Estados Unidos, que passaram a apoiar a proposta
encabeçada pela Índia e pela África do Sul no fim de 2020, e apoiada por mais
de 100 países, para a suspensão das patentes de vacinas contra a Covid-19
enquanto durar a pandemia.
Isso
ajudaria a aumentar a produção de vacinas e a equalizar sua aplicação no mundo.
Dados mostram que mais de 80% das doses aplicadas até hoje se concentram em
países ricos.
O
Brasil, que nem é rico nem está bem na fila da vacina, achou por bem fincar pé
na posição anterior e ver a caravana global passar diante dos seus olhos, com
grande possibilidade de até a União Europeia evoluir para acompanhar a posição
americana.
Uma
coisa era a discussão posta até o anúncio da posição dos Estados Unidos, em que
o Congresso brasileiro discutia a quebra das patentes em território nacional:
essa medida, isoladamente, teria pouco efeito prático, pois nossa capacidade de
produção própria de vacinas, como temos visto, é pequena, ainda mais sem
transferência de tecnologia. Além disso, havia setores fortes da diplomacia
defendendo que isso poderia nos criar embaraço com os grandes fabricantes,
atrasando ainda mais a chegada de imunizantes ao país.
Mas
o cenário muda drasticamente com o apoio da Casa Branca à suspensão temporária
das vacinas, ainda mais porque ele levará a uma pressão dos demais países
também sobre os Estados Unidos e demais países ricos para a disponibilização
imediata do excedente de vacinas que compraram, para a transferência de
tecnologia a países pobres e para o fim de medidas protecionistas para a
exportação de insumos destinados à produção desses imunizantes.
É
desesperador que o Brasil opte por ficar falando sozinho diante de uma
resolução com tamanho impacto histórico, geopolítico e econômico.
A
desorientação demonstrada pela diplomacia brasileira nesse episódio é fruto e
sinal do desmonte da política externa promovida pela nuvem de gafanhotos
bolsonarista. É da mesma cepa dos sucessivos surtos que fazem o presidente
insistir em brigar com a China neste momento grave em que dependemos dos
chineses para a chegada de insumos para nossas poucas vacinas.
Vinte
anos depois de brilharmos nos palcos internacionais com políticas de saúde
pública e de diplomacia internacional arrojadas e inovadoras, estamos no
cantinho da vergonha.
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