A
realidade dos números é inequívoca. Em 2020, o gasto real com pessoal civil
caiu, enquanto o dos militares teve aumento
Uma
lição que tentava passar para meus alunos quando dava aulas de Finanças
Públicas era: “Sempre que for possível, abram o dado”. Ou seja, antes de fazer
afirmações peremptórias sobre algo, é preciso entender bem o que está
acontecendo. O gasto público está aumentando? Sim, ok. Por causa de que
rubricas? INSS? Perfeito, onde? Aposentadorias urbanas ou rurais? Por idade ou
por tempo de contribuição? O problema está nas “outras despesas”? Quais delas,
então?
Agora
faço uma observação similar quando vejo análises gerais sobre a despesa com
pessoal. Esta é uma rubrica que, sem dúvidas, era necessário rever no começo do
atual governo, haja vista o fato de que, desde que o teto do gasto fora adotado
em 2016, ela e o INSS foram os dois grandes itens que continuaram mantendo seu
crescimento, em contraste com a evolução do terceiro grande bloco de despesa –
as “outras” – que encolheram muito entre 2016 e 2019.
A
razão se localiza na decisão do Governo Temer de validar os aumentos salariais
negociados politicamente - ainda no Governo Dilma - com a maioria das carreiras
do funcionalismo, acarretando um incremento real do gasto.
Esse item, então, pressionou severamente as chamadas “despesas discricionárias”, que têm sido espremidas nos últimos cinco anos.
Como,
porém, aqueles aumentos nominais se esgotavam em 2019, é útil colocar uma lupa
na questão e analisar o que continuou acontecendo em 2020 e 2021. A observação
dos dados sugere que chegou a hora de tratar de um tema que, até agora, tem
merecido escassa ou nenhuma importância nas análises da maioria dos analistas.
Parodiando
o nome de um famoso filme, eu diria que “precisamos falar sobre a despesa com
pessoal dos militares”. O rigor analítico exige apresentar os números de forma
nua e crua.
Vejamos
as questões com maior grau de detalhamento. Entre 2016 – ano da aprovação da
“regra do teto” – e 2019, as despesas com pessoal passaram de 20,6 % para 22,2
% do total do gasto. O que aconteceu com essa rubrica em 2020?
Neste
ponto, há que lembrar a negociação que ocorreu em 2019, visando a aceitação,
por parte dos militares, de uma reforma previdenciária da categoria que fosse
aceitável por parte das Forças Armadas. Eles acabaram apoiando a proposta
específica de reforma enviada ao Congresso, em troca de aumentos salariais maiores
ao longo da carreira, vinculados a determinados requisitos.
O
fato é que, muito provavelmente, o que os economistas chamamos de “integral de
remuneração”, ou seja, o valor de quanto será pago a essa pessoa ao longo de
toda a sua vida, será maior do que antes da reforma, uma vez que, embora o
tempo de vigência da aposentadoria será menor, o valor gasto na ativa, após os
aumentos, será muito superior que ao que iria ser pago antes dos aumentos
concedidos, além de outros detalhes que não há espaço aqui para comentar.
Alguém
poderia alegar que isso ocorreria só em forma dilatada ao longo do tempo, mas
não é o que os dados mostram. A realidade dos números é inequívoca:
deflacionando os dados pelo IPCA médio anual, em 2020, o gasto com pessoal
civil teve uma redução real de 2%, enquanto o gasto militar teve um incremento
real de nada menos que 4% - no ano em que o PIB caiu 4%!
E,
quando se olha para o pessoal ativo, devido ao congelamento nominal de uns e
aos aumentos concedidos a outros, o contraste entre civis e militares foi maior
ainda: o gasto com ativos civis caiu, em termos reais, 4%, enquanto o gasto com
pessoal ativo militar teve um salto real de 7%.
E,
nos primeiros três meses de 2021, essa realidade se acentuou: a despesa com
ativos civis caiu em termos reais mais 6% e com pessoal ativo militar aumentou
novamente outros 7% reais.
Não é preciso ser um profundo conhecedor de política para entender a lógica desse processo. Em outras épocas, dir-se-ia que se tratava de uma “questão de correlação de forças”. Neste caso, literalmente.
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