Bolsonaro
tem ambiente para fazer ameaças
Em
Madrid, esta semana, a governadora local, Isabel Diaz Ayuso, arrasou nas
eleições: poderá governar o estado onde está a capital espanhola apenas com o
seu partido, o direitista PP, e o apoio do Vox, de extrema-direita. Diaz fez
uma campanha negacionista, sabotando sistematicamente campanhas de isolamento
social, e chegou a dizer que o impacto do covid-19 se devia a maus hábitos dos
imigrantes.
No dia 21 de abril, sexagésimo aniversário de uma quartelada na França, um manifesto assinado por 20 generais e 100 oficiais de alto escalão na reserva alertou que “a França está em perigo”, e que “nossas bandeiras tricolores não são pedaços de pano”. Protestaram os militares contra a discriminação promovida pelos movimentos antirracistas. “Não é hora de procrastinar, caso contrário, amanhã a guerra civil acabará com esse caos crescente”, advertiram.. O governo de Macron prometeu tomar providências contra o grupo. Empatada com o presidente francês nas pesquisas para a eleição de 2022, a direitista Marine Le Pen elogiou a mensagem ameaçadora da caserna.
Os
exemplos recentes de turbulência na democracia da Espanha e da França mostram
que o tempo não está fechado apenas em países como El Salvador, onde presidente
e Congresso destituíram a Suprema Corte; ou o Peru, em que o segundo turno das
eleições presidenciais será disputado por dois potenciais autocratas, o
esquerdista Pedro Castillo e a direitista Keiko Fujimori.
Recentemente
reeleito presidente do Cebrap, centro de estudos que completou agora 52 anos de
funcionamento, o filósofo Marcos Nobre alerta que o cenário externo não é
alvissareiro para a democracia, o que favorece a tática do presidente Jair
Bolsonaro de sempre tensionar o ambiente quando se sente acuado.
“Tem
gente achando que a chegada de Joe Biden ao poder nos Estados Unidos foi um
ponto de inflexão na maré populista autoritária. Não devemos subestimar a
extrema-direita. São muitos os exemplos que mostram que é muito grave a
situação atual da democracia no mundo”.
O
ponto em que Nobre se agarra é esse: Bolsonaro não está isolado, a página do trumpismo
não foi virada e o presidente não está inventando nada: adota no Brasil a mesma
tática usada por outros discípulos de Steve Bannon.
“Bolsonaro
não governa e não quer governar. Seu poder deriva do fato de ser visto por seus
apoiadores como um homem boicotado pelo sistema”, diz Nobre. Para o filósofo, o
presidente “está fraco o necessário para se vitimizar e forte o suficiente para
botar gente na rua. Com isso, consegue o que quer por ora: uma minoria que
bloqueie o impeachment e o leve para o segundo turno em 2022”.
Um
exemplo do que Nobre diz: o presidente fracassou na tentativa de impedir a
instalação da CPI da Pandemia no Senado, depois fracassou na articulação para
ter controle do grupo. O depoimento do ex-ministro Pazuello é tão temido pelo
Palácio do Planalto que foi convenientemente adiado para o dia 19.
Neste
meio tempo, os bolsonaristas extremados ocupam as ruas em pleno dia 1º de maio,
uma data icônica para a esquerda, e pedem intervenção no Supremo Tribunal
Federal e carta branca para o presidente agir contra governadores e prefeitos,
com apoio das Forças Armadas.
O
presidente cumpre sua parte no dueto: declara depois que fará o que o povo
pedir. Avisa a todos, que baixará o tal decreto que, na prática, proíbe o
isolamento social no Brasil. O ministro da Defesa, em diversas declarações
públicas, dá a entender que acatará o que Bolsonaro determinar.
O
presidente, portanto, colocou o revólver sobre a mesa, para ver como o
“sistema” (Congresso, Judiciário, mídia, classe empresarial) reagirá. Quatro
dias antes do depoimento de Pazuello, vai redobrar a aposta: Bolsonaro convocou
em sua “live” para um ato no dia 15, promovido por “entidades de produtores
rurais”, que em postagens nas redes sociais promete ser “contra o Supremo e
pelo fim das medidas de isolamento social”. Prometeu também já para este
domingo agora um passeio com mais de mil motociclistas por Brasília. E tome
falação a favor do voto impresso e da cloroquina. É uma forma de ficar
rodopiando o revólver sobre a mesa com o dedo, enquanto conversa com os
interlocutores O risco é o tiro sair pela culatra..
Muito
se falou em encontrar o “Biden brasileiro”. Ou seja, a personagem da velha
política, há um certo tempo escanteada que retorna para, de modo improvável,
encarnar a resistência a um populismo disruptivo e congregar em torno de si
forças heterogêneas.
Foram
mencionados para vestir este figurino tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, pelo PT, quanto o senador Tasso Jereissati, pelo PSDB. Na opinião de
Marcos Nobre, é melhor desistir, essa busca é inútil. O sistema político
brasileiro não tem os mecanismos de decantação que existem nos Estados Unidos
que resultaram em Biden como o anti-Trump.
De
início, aqui não há um sistema bipartidário, como etapa final de prévias
internas. As eleições brasileiras não estimulam a formação de frentes muito
amplas, nem mesmo com o modelo de dois turnos. A direita não bolsonarista ou se
nucleia em torno de um candidato, ou irá se pulverizar. Sua adesão a Bolsonaro
ou a Lula é impossível. Só isso já rompe a ideia do “Biden brasileiro”.
Na
visão de Nobre, da qual esta coluna compartilha, a eleição de 2022 tende a ser
inóspita para marinheiros de primeira viagem. Não há espaço para outsider como
havia em 2018, pelo fato de, desta vez, existir um incumbente.
O
que se convenciona chamar de “centro” irá convergir (ou pulverizar de vez) em
torno de nomes já postos: Doria, Tasso e Eduardo Leite, no PSDB; Mandetta, no
DEM; Ciro Gomes, no PDT; e João Amoêdo, pelo Novo. Destes, em tese, o candidato
com mais capacidade de agregar deveria ser Ciro Gomes.
Ciro
permite acordos para um lado e para o outro. ACM Neto, na Bahia, Kalil em Minas
Gerais, o grupo de Paes no Rio, para ficar em três exemplos citados por Nobre,
poderiam estar com ele.
Para
agregar essa variante do conservadorismo, Ciro teria que beijar a cruz, como
Lula beijou, e firmar a sua carta ao povo brasileiro.
No papel, funciona. O caminho para Ciro crescer está na direita, e não na esquerda. Na prática não é assim. Uma das armadilhas para quem está no centro é causar ojeriza nos dois polos, em vez de ser um ponto de convergência. Ciro vive essa armadilha.
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