Ação mais letal da história da polícia do Rio deixa rastro de denúncias de execução e desfazimento de cenas de crime
Por
Rafael Rosas / Valor Econômico
RIO
- A operação da Polícia Civil destinada a combater o aliciamento de traficantes
de drogas a menores de idade na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio,
chegou à noite de ontem ainda sem encerramento oficial e com saldo de 25 mortes
- inclusive um policial -, ao menos cinco feridos, fechamento parcial do metrô
carioca e suspeitas de execução. A ação no Jacarezinho foi a mais letal da
polícia do Rio em sua história. Até o começo da noite, o policial era o único
identificado entre os mortos.
A
operação, iniciada pela manhã, havia sido autorizada devido a necessidade de se
evitar que traficantes de drogas continuassem a recrutar para a facção
criminosa dominante na comunidade crianças de até 12 anos, segundo as
investigações. Além disso, a facção é acusada de praticar homicídios, roubos e
até sequestro de trens da Supervia. Ainda de manhã, o policial civil André
Leonardo de Mello Frias, de 45 anos, foi morto enquanto tentava tirar uma
barricada que impedia o avanço do blindado das forças de segurança.
Ao fim da manhã, já eram mais 24 mortos e uma chuva de denúncias chegavam à Defensoria Pública do Estado do Rio. Maria Julia Miranda, que integra o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria, esteve na favela no começo da tarde e afirma que há pelo menos dois casos em que há suspeita de desfazimento de cenas de crime. “Chegaram mortas ao hospital 24 pessoas, o que é indicativo de desfazimento de cena de crise”, disse a defensora durante entrevista coletiva no fim do dia.
Daniel
Lozoya, subcoordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria,
cobrou investigação independente, conduzida pelo Ministério Público. Segundo
ele, não será possível uma apuração isenta realizada pela própria Polícia
Civil. Nadine Borges, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da
OAB/RJ, frisa que a entidade vai pedir para que a perícia nos corpos não seja
feita por peritos da Polícia Civil.
A
operação aconteceu durante a vigência da decisão de junho tomada pela ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, e referendada pelo plenário,
que limitava as operações em favelas no Rio durante a pandemia e as
condicionava à prévia comunicação ao Ministério Público. Ontem, depois das
mortes no Jacarezinho, Fachin enviou ao plenário virtual os embargos de
declaração apresentados na ação que discute a letalidade das forças policiais
do Rio. Essa Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 havia
sido proposta pelo PSB e foi ela que levou o plenário a referendar a decisão de
Fachin. O recurso será debatido no STF em 21 de maio e nele o PSB pede que
sejam esclarecidos os pontos da liminar.
Ontem,
representantes da Polícia Civil negaram a ocorrência de execuções e afirmaram
que todas as exigências feitas pelo STF foram cumpridas, inclusive o aviso ao
Ministério Público. Ainda segundo a polícia, a ação foi planejada depois de dez
meses de investigação.
Daniel Sarmento, professor da UERJ e advogado da ADPF 635, diz que a obrigação de comunicar o MP sobre operações é cumprida “de forma burocrática”. Ele diz que a decisão de Fachin “a partir de outubro começa a ser sistematicamente descumprida porque a polícia percebeu que não havia controle”. “É atuação sistemática, não é problema pontual”, diz. (Colaborou Isadora Peron, de Brasília)
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