Ao
se opor à quebra das patentes das vacinas, Bolsonaro atenta contra os
interesses do povo brasileiro; quem está surpreso?
Temos
um governo que, também no cenário internacional, atua abertamente contra os
interesses da população. É o caso da oposição, por ora mantida, à quebra das
patentes das vacinas contra a Covid-19. Antes, o Brasil estava de mãos dadas
com Donald Trump. Agora,
de costas para Joe Biden.
O
buraco em que nos metemos é muito fundo —havendo a possibilidade de que não
tenha fundo nenhum. As eleições do ano que vem dirão. Insistamos por ora.
Sempre resta a esperança no fundo da caixa dos desatinos.
O
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, depôs nesta quinta na CPI. Médico,
deixou claro não ter autonomia nem mesmo para expressar sua oposição —conhecida
antes de assumir o cargo— ao tratamento precoce com cloroquina e outras drogas
presidenciais. Não é surpreendente, mas é sempre repulsivo.
Indagaram
ao doutor qual é a sua posição sobre a quebra das patentes. Poderia ter dito,
por exemplo, que tal questão não se limita à saúde. Atine também à política
externa. Já que falava na CPI na condição de ministro de Estado, limitar-se-ia a
defender o que é melhor para a população. E, no caso, quanto mais vacinas,
melhor. Com ou sem a quebra.
E pronto. Teria escapado de maneira digna sem dizer muita coisa. Ocorre que a inexperiência e a ignorância exercem um importante papel na tragédia civilizatória em curso. O Brasil é tido, no mundo, como exemplo no combate à Aids. E é. A produção local dos remédios que compuseram o famoso "coquetel" tem uma importância central nessa história. José Serra, então ministro da Saúde, encampou a ideia do fim das patentes e enfrentou, no começo, a oposição dentro do próprio governo.
Serra
insistiu e foi bem-sucedido. Sua obstinação beneficiou o mundo. Ademais, a
produção de genéricos, para quase todos os males, gerou por aqui uma vigorosa
indústria farmacêutica. Atende à demanda local e exporta.
No
caso da Aids, Serra se tornou a voz do Brasil na defesa da tese, e todos os
organismos multilaterais reconheceram tratar-se de uma luta justa. Desta feita,
Índia e África do Sul ergueram suas vozes, com a oposição —por razões óbvias—
de Donald Trump, do Reino Unido e da União Europeia.
Na
arena internacional, governos defendem seus interesses. É a natureza do jogo.
Em princípio, chefes de Estado de países que sediam grandes farmacêuticas se
colocarão sempre em favor da manutenção dos direitos dessas empresas. É o
esperado.
Nota: STF
formou maioria contra trecho da Lei de Propriedade Industrial que tornava as
patentes mais eternas do que os diamantes. Fez o certo. É claro que eu
defendo o direto à propriedade intelectual em qualquer setor. Sem ela,
investir-se-ia muito menos em pesquisa. A humanidade perderia.
Mas
é preciso estar atento ao momento em que um valor mais alto se alevanta. É o
caso. Eis que a pandemia assume uma complexidade que não era esperada por
ninguém, sobretudo em razão da capacidade que tem o vírus de produzir novas
cepas, mais contagiosas e mais letais.
Quando
o Brasil se opôs à quebra das patentes, juntando-se aos países ricos, nem
estava defendendo o próprio interesse —não é sede de nenhuma grande
farmacêutica que tenha titularidades cobiçadas— nem atentava para a questão
humanitária. Já se tratava, destaque-se, de uma estupidez subalterna.
Agora,
ninguém menos do que Joe Biden, presidente dos EUA, adere à tese do fim das
patentes, o que, numa primeira mirada, implica militar contra os interesses de
seu próprio país. A França adotou a mesma posição, ainda que a União Europeia
resista. Deve ceder.
Mas
não o doutor Queiroga! Ele não! Foi evasivo na primeira resposta, dizendo que o
Brasil poderia ser prejudicado, o que é uma estupidez. Sem a reserva de direito
das grandes farmacêuticas, todos se beneficiarão, muito especialmente este
país, que tem uma indústria com evidente capacidade de produção. Indagado
novamente, foi claro: no caso das vacinas, ele é contra.
Joe Biden está por fora. Bolsonaro e Queiroga sabem das coisas. Sim, resta a esperança no fundo da caixa. Tem validade até 2022. Ou começaremos a sair do buraco ou vem a danação eterna.
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