sábado, 22 de maio de 2021

Vera Magalhães - Reações a encontro de FH e Lula evidenciam deterioração da política e deserto no centro

- O Globo

Nunca uma foto de dois ex-presidentes da República num encontro civilizado causou tanta comoção. O fato de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva se encontrarem para discutir a democracia e a crise da pandemia não deveria provocar tamanha celeuma, não fosse a profunda deterioração da política brasileira e o deserto de opções eleitorais do centro. As duas coisas ajudaram a eleger alguém absolutamente desqualificado para exercer a Presidência e a nos trazer até aqui.

Ao aceitar se reunir com Lula, de quem já foi próximo, no fim dos anos 1970 e início dos 80, FH não está, como dizem tucanos desesperados, jogando a toalha quanto à possibilidade de o PSDB ter um candidato. E, aliás, não depende de alguém prestes a completar 90 anos, e sabidamente fora do dia a dia da vida partidária, construir essa candidatura.

Já escrevi neste espaço a respeito da atual fase de uma antiga patologia: a tendência do PSDB ao "tucanocídio". Agora ela consiste na incapacidade de definir um candidato mesmo diante de um governo como o de Bolsonaro.

FH também não está dando a Lula um atestado de inocência em relação às acusações da Lava Jato, que voltaram, no caso dele, ao estágio inicial depois de decisão do STF, como lamentam alguns correligionários, que chegaram a apontar "síndrome de Estocolmo" do ex-presidente, por aceitar posar ao lado de alguém que sempre atacou seu legado no governo.

A história de mais de 30 anos de disputas eleitorais entre PT e PSDB mostra a dificuldade de os dois principais partidos do pós-redemocratização construírem uma aliança em qualquer momento. Ao dizer que escolheria Lula num segundo turno contra Bolsonaro, FH está apenas sendo coerente com sua história de democrata -- atributo que, aliás, os petistas foram pródigos em lhe negar, no jogo de gato e rato a que as duas siglas se dedicaram.

As pesquisas mostram um cenário de terra arrasada da centro-direita à centro-esquerda. A deterioração da política foi de tal ordem, agravada pela pandemia e pela crise econômica do país, que as pessoas não vislumbram qualquer alternativa a Bolsonaro ou a Lula, embora 57% digam que o primeiro não merece ser reeleito e 50% achem que o segundo não merece voltar, como mostra a última rodada da pesquisa Ideia Big Data para a revista Exame.

Sendo assim, o que as pessoas acham dos outros nomes postos? Elas os ignoram. O mais bem posicionado é Sérgio Moro, com 18% em cenários fictícios com três opções: Lula, Bolsonaro e os postulantes a "terceira via".

Isso mostra que está tudo perdido? Não necessariamente. Falta mais de um ano para as eleições, é possível que grupos menores dentro dessa miríade de nomes se acertem e diminuam a pulverização de opções para o eleitor.

E, assim, com nitidez de alianças e propostas, pode se construir um nome para fazer frente a um segundo turno entre Bolsonaro e Lula.

Enquanto isso não acontece, o que FH está fazendo é apenas ser pragmático e dar uma importante contribuição às gerações mais jovens no sentido de que, colocando na balança muitos pecados políticos e até crimes, a defesa da democracia é um ponto inegociável. 

A reação abjeta de Bolsonaro ao encontro, chamando um de bandido e outro de vagabundo, mostra o tamanho da tal deterioração e por que FH acerta no diagnóstico, que não é só dele, de que o atual presidente brasileiro representa um risco à continuidade democrática.

No alto deste post, o vídeo de um trecho da entrevista que fiz com FH para o GLOBO em 12 de maio (pela roupa do ex-presidente, o mesmo dia do encontro com Lula, aliás), em que ele me disse que, entre Bolsonaro e Lula, não deixaria de escolher, e nunca escolheria Bolsonaro.

 

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