- O Globo
Nunca uma foto de dois ex-presidentes da
República num encontro civilizado causou tanta comoção. O fato de Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva se encontrarem para discutir a
democracia e a crise da pandemia não deveria provocar tamanha celeuma, não
fosse a profunda deterioração da política brasileira e o deserto de opções
eleitorais do centro. As duas coisas ajudaram a eleger alguém absolutamente
desqualificado para exercer a Presidência e a nos trazer até aqui.
Ao aceitar se reunir com Lula, de quem já
foi próximo, no fim dos anos 1970 e início dos 80, FH não está, como dizem
tucanos desesperados, jogando a toalha quanto à possibilidade de o PSDB ter um
candidato. E, aliás, não depende de alguém prestes a completar 90 anos, e
sabidamente fora do dia a dia da vida partidária, construir essa candidatura.
Já escrevi neste espaço a respeito da atual fase de uma antiga patologia: a tendência do PSDB ao "tucanocídio". Agora ela consiste na incapacidade de definir um candidato mesmo diante de um governo como o de Bolsonaro.
FH também não está dando a Lula um atestado
de inocência em relação às acusações da Lava Jato, que voltaram, no caso dele,
ao estágio inicial depois de decisão do STF, como lamentam alguns
correligionários, que chegaram a apontar "síndrome de Estocolmo" do
ex-presidente, por aceitar posar ao lado de alguém que sempre atacou seu legado
no governo.
A história de mais de 30 anos de disputas
eleitorais entre PT e PSDB mostra a dificuldade de os dois principais partidos
do pós-redemocratização construírem uma aliança em qualquer momento. Ao dizer
que escolheria Lula num segundo turno contra Bolsonaro, FH está apenas sendo
coerente com sua história de democrata -- atributo que, aliás, os petistas
foram pródigos em lhe negar, no jogo de gato e rato a que as duas siglas se
dedicaram.
As pesquisas mostram um cenário de terra
arrasada da centro-direita à centro-esquerda. A deterioração da política foi de
tal ordem, agravada pela pandemia e pela crise econômica do país, que as
pessoas não vislumbram qualquer alternativa a Bolsonaro ou a Lula, embora 57%
digam que o primeiro não merece ser reeleito e 50% achem que o segundo não
merece voltar, como mostra a última rodada da pesquisa Ideia Big Data para a
revista Exame.
Sendo assim, o que as pessoas acham dos
outros nomes postos? Elas os ignoram. O mais bem posicionado é Sérgio Moro, com
18% em cenários fictícios com três opções: Lula, Bolsonaro e os postulantes a
"terceira via".
Isso mostra que está tudo perdido? Não necessariamente.
Falta mais de um ano para as eleições, é possível que grupos menores dentro
dessa miríade de nomes se acertem e diminuam a pulverização de opções para o
eleitor.
E, assim, com nitidez de alianças e
propostas, pode se construir um nome para fazer frente a um segundo turno entre
Bolsonaro e Lula.
Enquanto isso não acontece, o que FH está
fazendo é apenas ser pragmático e dar uma importante contribuição às gerações
mais jovens no sentido de que, colocando na balança muitos pecados políticos e
até crimes, a defesa da democracia é um ponto inegociável.
A reação abjeta de Bolsonaro ao encontro,
chamando um de bandido e outro de vagabundo, mostra o tamanho da tal
deterioração e por que FH acerta no diagnóstico, que não é só dele, de que o
atual presidente brasileiro representa um risco à continuidade democrática.
No alto deste post, o vídeo de um trecho da
entrevista que fiz com FH para o GLOBO em
12 de maio (pela roupa do ex-presidente, o mesmo dia do encontro com Lula,
aliás), em que ele me disse que, entre Bolsonaro e Lula, não deixaria de
escolher, e nunca escolheria Bolsonaro.
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