sábado, 22 de maio de 2021

Hélio Schwartsman - Turismo vacinal

- Folha de S. Paulo

Seria ético impedir um milionário de ir ao exterior para ter acesso ao remédio?

Façamos um experimento mental. Um laboratório multinacional desenvolveu um novo medicamento que cura um tipo comum de câncer até então letal. O problema é que a farmacêutica cobra US$ 10 milhões pelo tratamento.

O Brasil já quebrou a patente da nova droga. Mas, como não podemos sequestrar e torturar os cientistas estrangeiros para que nos ensinem a produzi-la, ainda levará um tempo até que ela esteja à disposição dos usuários do SUS e de planos de saúde --um tempo que o paciente de câncer não tem.

Seria ético impedir um milionário brasileiro de viajar para fora do país para ter acesso ao remédio? E que tal exigir que ele deposite na conta do SUS o valor de um tratamento para deixá-lo sair do Brasil?

Se você, leitor, classifica como eu o primeiro cenário como violação a direito fundamental e o segundo como chantagem, então deve, como eu, ter ficado chocado com a argumentação dos que afirmam que o chamado turismo vacinal (viajar para fora do país para receber o imunizante alhures) é antiético.

Eu compreendo o sentimento. Todos nós temos um pouco do espírito de justiceiro, que se revolta contra diferenças muito gritantes no acesso a tratamento médico, comida, riquezas etc. Eu não sou exceção e me prontifico a integrar o pelotão de fuzilamento de todos aqueles que furarem a fila da vacina do SUS (atenção, contém ironia: na verdade, não sou a favor de pelotões de fuzilamento). Mas não vejo como estender o instinto de equanimidade para além da jurisdição que lhe é própria, que são as vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

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Isso é ainda mais verdade quando se considera que o sujeito que toma a vacina em outro país, ao contrário do milionário que busca o tratamento contra o câncer, dá uma contribuição, ainda que marginal, à saúde pública nacional, já que ele reduz sua probabilidade de espalhar o vírus e deixa de ocupar um lugar na fila do PNI.

 

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