- Folha de S. Paulo
Seria ético impedir um milionário de ir ao
exterior para ter acesso ao remédio?
Façamos um experimento mental. Um
laboratório multinacional desenvolveu um novo medicamento que cura um tipo
comum de câncer até então letal. O problema é que a farmacêutica cobra US$ 10
milhões pelo tratamento.
O Brasil já quebrou a patente da nova
droga. Mas, como não podemos sequestrar e torturar os cientistas estrangeiros
para que nos ensinem a produzi-la, ainda levará um tempo até que ela esteja à
disposição dos usuários do SUS e de planos de saúde --um tempo que o paciente
de câncer não tem.
Seria ético impedir um milionário brasileiro de viajar para fora do país para ter acesso ao remédio? E que tal exigir que ele deposite na conta do SUS o valor de um tratamento para deixá-lo sair do Brasil?
Se você, leitor, classifica como eu o
primeiro cenário como violação a direito fundamental e o segundo como
chantagem, então deve, como eu, ter ficado chocado com a argumentação dos que
afirmam que o chamado turismo vacinal (viajar para fora do país para receber o
imunizante alhures) é antiético.
Eu compreendo o sentimento. Todos nós temos
um pouco do espírito de justiceiro, que se revolta contra diferenças muito
gritantes no acesso a tratamento médico, comida, riquezas etc. Eu não sou
exceção e me prontifico a integrar o pelotão de fuzilamento de todos aqueles que
furarem a fila da vacina do SUS (atenção, contém ironia: na verdade, não sou a
favor de pelotões de fuzilamento). Mas não vejo como estender o instinto de
equanimidade para além da jurisdição que lhe é própria, que são as vacinas do
Programa Nacional de Imunizações (PNI).
[ x ]
Isso é ainda mais verdade quando se
considera que o sujeito que toma a vacina em outro país, ao contrário do
milionário que busca o tratamento contra o câncer, dá uma contribuição, ainda
que marginal, à saúde pública nacional, já que ele reduz sua probabilidade de
espalhar o vírus e deixa de ocupar um lugar na fila do PNI.
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