- O Globo
Desde o primeiro dia de governo, Ricardo
Salles opera contra os objetivos da pasta que comanda
Na noite da posse do presidente
Jair Bolsonaro, 1º de janeiro de 2019, um jantar em Brasília reuniu alguns
jornalistas, parlamentares e um dos recém-empossados ministros do novo governo.
Não posso dizer que foi sorte, mas ao meu lado sentou-se justamente o tal ministro.
Ele era pouco conhecido, embora já se soubesse de seu potencial. Tinha cara de
bom menino, mas logo no primeiro minuto deu para perceber um coração agitado,
uma alma angustiada. Estava com um assessor. Os dois chegaram com um veterano
deputado, que não ficou. Pareciam deslocados, por isso conversavam entre si,
evitando outras interlocuções. Mas deu para ouvir algumas barbaridades. A mais
grave foi explicitada assim: “Temos que acabar com o ICMBio, fechar”. Era o
ministro do Meio Ambiente, o hoje conhecido madeireiro Ricardo Salles.
Desde o primeiro dia de governo,
Salles opera contra os objetivos da pasta que comanda. Não conseguiu fechar o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, mas debilitou o órgão.
Fez o mesmo com o Ibama, que aparelhou. Em nenhum momento escondeu sua ojeriza
a ambientalistas e ONGs ambientais. Como Sérgio Camargo, presidente da Fundação
Palmares, Salles trabalha diuturnamente contra os interesses que deveria
defender. Por isso, não surpreende que o ministro, um dia flagrado dizendo que
era preciso aproveitar o foco da imprensa sobre a pandemia para passar
esdrúxulos processos de desregulamentação da defesa do meio ambiente, seja
agora investigado por exportação ilegal de madeira.
A investigação da exportação de madeira colhida ilegalmente em áreas de florestas protegidas começou graças a uma denúncia feita pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem (FWS) americano, órgão fiscalizador de agressões ambientais nos EUA. O FWS embargou um carregamento de madeira sem certidão de exportação no porto de Savannah, no estado da Geórgia. Ao avisar às autoridades brasileiras, soube através do presidente do Ibama, Eduardo Bim, que as regras tinham mudado e que a madeira era perfeitamente legal. Lorota. O FWS não caiu no conto do presidente do Ibama e a denúncia foi formalizada. Uma vergonha sem tamanho. Aos olhos do FWS, Bim é apenas mais uma autoridade latino-americana corrupta que não deve ser levada a sério.
Foi o despacho de Bim ao FWS
tentando desembaraçar a madeira ilegal que deflagrou a operação. O resultado
até aqui, além dos 35 mandados de busca e apreensão conduzidos pela Polícia
Federal, inclusive em três endereços pessoais de Ricardo Salles, resultou no
afastamento de Bim e outros funcionários graduados do Ibama. Justamente os
responsáveis pelas apurações de infrações ambientais, pela proteção ambiental e
pela fiscalização e inteligência do órgão. O Ibama estava absolutamente
aparelhado para servir a causas de madeireiros ilegais, garimpeiros de terras
indígenas e outros criminosos que agem contra o meio ambiente. O que se viu a
seguir, com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, foi o desmonte da
quadrilha.
Na verdade, esta é apenas
a ponta do iceberg. Os crimes contra o meio ambiente perpetrados por Salles e
sua turma ainda serão contados. A quebra dos sigilos fiscal e bancário do
ministro pode trazer outras novidades. Sabe-se, por ora, que o ministro com
cara de madeireiro movimentou R$ 14 milhões de maneira “extremamente atípica”,
segundo o Coaf, entre 2012 e 2020. O que se pode depreender desta constatação é
que Salles teria recebido propinas para liberar madeira ilegal y otras cosita más. O dinheiro
acumulado sugere que ele também recebeu erva em troca de toda a boiada que fez
passar enquanto os olhos da nação voltavam-se para a pandemia do coronavírus.
O ministro madeireiro pode acabar
destituído por determinação do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro se pouparia
de mais esse vexame se o demitisse antes. Salles não é ideológico, como quer
fazer crer. Ele se pinta de liberal conservador, da escola de Olavo de
Carvalho, que quer apenas romper com as regras de preservação ambiental, que
considera draconianas. Bobagem. Nas investigações em curso pela Polícia Federal
o que se busca é outra coisa. Quer se identificar um ministro corrupto, que
movimentou de maneira suspeita milhões de reais e que produziu “um grave
esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais”, nos termos da
PF. O ministro madeireiro pode ser também um criminoso contumaz e um corrupto
ordinário.
Sequoia
Imagine o que aconteceria com Ricardo
Salles e seus amigos madeireiros se eles entrassem com suas motosserras no
Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. Pense em Salles e seus rapazes
serrando uma sequoia. Calcule as consequências. Na Amazônia eles abatem castanheiras, embaúbas e sumaúmas em
florestas protegidas e… Nada.
Brincadeira 1
Os dois dias de depoimento do general
Pazuello na CPI da Covid serviram para desmontar a premissa de que todo militar
é correto e todo general é ainda mais linear e infalível. Eles erram. E eles
mentem. Pazuello, para quem ainda tinha alguma dúvida, tornou claro seus
seguidos erros e omissões na condução do combate à pandemia de coronavírus.
Deve responder na Justiça por estes crimes mais adiante. Para proteger o capitão, o general mentiu. Quinze
vezes, segundo contabilidade do relator da comissão, senador Renan Calheiros.
Na visão da caserna, contudo, o mais grave foi a sua desmoralização pessoal,
que arrasta junto a imagem do Exército.
Brincadeira 2
O general Heleno parece trafegar em outro
planeta, onde o ar rarefeito perturba os sentidos e torna as pessoas mais
lentas e tontas. Nem o Centrão acreditou que era mesmo uma “brincadeira” de
Heleno ter chamado, ainda em 2018, os parlamentares do grupo de ladrões. O general
quis dizer aquilo mesmo, falava a língua da antipolítica de Bolsonaro.
Mas, como todo péssimo militar e
todo político esperto, mudou de posição quando o barco começou a fazer água.
Disse que o Centrão não existe mais, porém conta com a turma fisiológica na CPI
da Covid e contra qualquer tentativa de impeachment.
Braga não
O senador Omar Aziz, presidente da CPI,
conversou duas vezes com o comandante do Exército, general Paulo Sérgio, sobre
a convocação do ex-ministro Eduardo Pazuello para depor. Aziz não deu sequer um “alô” ao
ministro da Defesa, Walter Braga Netto, chefe de Paulo Sérgio. Por que será?
Duas razões: 1) Braga Netto pouco importa na linha de comando do Exército; 2)
Ele também será chamado para depor e se explicar.
Tropa de choque
O senador Marcos Rogério (DEM-RO), como se
vê, é o carro-chefe da tropa de choque bolsonarista na CPI. Quem você acha que
ele lembra mais? Roberto Jefferson na CPI do PC, que acabou levando ao
impeachment de Fernando Collor nos anos 1990? (Não pela truculência, Jefferson
é imbatível neste quesito, mas pela desonestidade
intelectual). Ou Ângela Guadagnin, do PT de São Paulo,
conhecida pela dancinha da pizza do mensalão?
A grande obra
Lula e FH, ambos de máscaras,
cumprimentando-se com um soquinho, é a
imagem da maior obra de Jair Bolsonaro.
A China é aqui
Bolsonaro quer impedir por decreto que as
redes sociais retirem conteúdo do ar e suspendam usuários mentirosos e
difamadores. Sua proposta incentiva
o discurso de ódio e o golpismo da sua tropa. E o que ele
fará se o decreto ridículo acabar aprovado, apesar de inconstitucional, e não
for levado a sério pelas redes, que são estrangeiras? Vai expulsar Facebook,
Twitter e Instagram? Nem a China chegou a tanto.
Imorrível
Nosso presidente é tão extra ordinário que chegou
ao ponto de dizer uma barbaridade diante de câmeras e microfones sem ruborizar.
Ele disse ser “imorrível, imbroxável e incomível”. A declaração, abusada e
grosseira, prova mais uma vez que Bolsonaro é mesmo um mentiroso.
A herança de Bruno
Bruno Covas honrou o nome do avô Mário
Covas. Embora tenha sido breve, ele foi um homem público honesto e leal a valores e
princípios. Tancredo Neves não teve a mesma sorte.
Manto e mídia
O Flamengo explica que aceitou o patrocínio
da Havan porque a camisa do time é uma mídia, que rende recursos ao clube. Pode
ser, mas para o torcedor, esta camisa é um manto. Para alguns, um manto
sagrado. Idel Halfen, especialista em marketing esportivo e ex-vice-presidente
do Fluminense, diz que patrocínios
podem contaminar marcas na medida que estas emprestam seu
prestígio àqueles. Funciona assim: o Flamengo endossa a Havan, que endossa
Bolsonaro, que é endossado pelo Flamengo. Além disso, a presença da Havan tende
a afastar do uniforme outros patrocinadores, que podem preferir manter distância
do Fla-Flu político. Fla-Flu em que o Fla tem ocupado lugar desonroso.
Coronel Divério
Os sinais são muito claros e foram todos
apresentados na reportagem do “Jornal Nacional” de terça-feira. O coronel
George Divério, envolvido na tentativa de contratação de obras sem licitação e com aparente
superfaturamento no Ministério da Saúde, já tinha passagem
suspeita na fábrica de explosivos da Indústria de Material Bélico do Brasil, a
Imbel, estatal vinculada ao Ministério da Defesa. Até ontem, não se viu qualquer
sinal de interesse do Ministério Público ou da Polícia Federal sobre o assunto.
Correções
Na coluna de sábado passado, foi dito aqui
que o Datafolha dava derrota de Ciro para Lula no segundo turno. O ex-governador do Ceará notou meu equívoco. O
instituto só mediu Lula no segundo turno com Bolsonaro, João Doria e Sergio
Moro. Ciro, aliás, cobra do instituto esta medição. A coluna também errou ao
chamar o prefeito de Maceió de JHS. João Henrique Caldas é conhecido em Alagoas
como JHC, obviamente.
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