- O Globo
Os governos que compraram vacinas no
escuro, quando ainda estavam sendo desenvolvidas pelas farmacêuticas,
certamente correram um risco — o risco de perder dinheiro. Era uma aposta boa.
Os laboratórios já tinham demonstrado competência em outros medicamentos. Mas
continuava sendo uma aposta. Tanto que, hoje, é consenso nos meios científicos
que a produção de vacinas tão eficientes em tempo tão curto só se compara à
formidável operação que levou o homem à Lua.
O governo brasileiro, entretanto, não quis
correr o risco. Achou que estava sendo mal tratado, especialmente pela Pfizer.
Lá pelas tantas, o general Pazuello disse que negociou com a farmacêutica com o
propósito de defender a soberania nacional. E que “não somos caloteiros”.
Não deu mais detalhes, nem os senadores
perguntaram, mas só podia ser uma referência à exigência de pagamento
adiantado.
Ora, os mais de 100 governos que toparam a aposta entenderam melhor: o pagamento adiantado era uma forma de financiar os laboratórios e, pois, de apressar o processo de produção das vacinas.
De novo, se tudo desse errado, teriam
perdido muito dinheiro. Mas, dando certo, como deu, salvariam vidas, como
salvaram.
O governo brasileiro não economizou
dinheiro, porque teve de comprar as vacinas já prontas e provavelmente mais
caras, nem defendeu uma suposta soberania. Perdeu centenas de milhares de
vidas.
A CPI da Covid já mostrou pelo menos dois
desastres graves. Primeiro, a incapacidade do governo Bolsonaro de entender o
drama da doença — não teve compaixão pelo sofrimento das pessoas, nem
compreendeu o estrago que a pandemia poderia fazer na vida social e econômica
do país.
Não entendeu o que o próprio secretário de
Política Econômica, Adolfo Sachsida, escreveu: “A melhor política econômica é a
vacina”.
Em segundo lugar, os depoimentos na CPI
mostraram que, mesmo quando percebeu o problema, o governo agiu de modo desastrado.
Caiu por terra tudo o que os próprios militares falavam de sua capacidade de
organização.
Só um caso: no auge da falta de oxigênio em
Manaus, um secretário do Ministério da Saúde teve a brilhante ideia de enviar
ofício ao Ministério Público, pedindo que entrasse com uma ação contra a White
Martins, para obrigar a companhia a providenciar aviões e levar o produto para
a cidade.
Tudo errado, como respondeu o Ministério
Público. Isso não era obrigação da companhia, mas do governo. A obrigação da
empresa no episódio foi cumprida: avisou com antecedência que a demanda por
oxigênio era crescente e que os estoques estavam caindo rapidamente.
Semanas depois desse aviso, o Ministério da
Saúde agiu com o ridículo pedido de ação contra a empresa. E ainda chegou a
dizer que o avião da FAB providenciado para fazer a entrega estava quebrado. Só
tinha um?
Hoje, as companhias produtoras de vacinas
mais modernas estão procurando parceiros pelo mundo. Segundo dados da revista
“The Economist”, já são 280 contratos de transferência de tecnologia e/ou
construção de fábricas. A BioNTech, inventora da vacina distribuída pela
Pfizer, já está preparando uma em Cingapura. Coreia do Sul, Japão, República
Tcheca também negociam novas fábricas.
No Brasil, os dois institutos produtores de
vacinas, Butantan e Manguinhos, não têm capacidade técnica nem financeira para
receber as novíssimas tecnologias.
É o resultado de décadas de falta de
investimentos públicos e privados. O governo não investe porque gasta demais
com Previdência e benefícios (18,4% do PIB) e pessoal (13,2%). Para comparar: o
México gasta 9,4% do PIB nesses dois itens. E não se pode dizer que o
desempenho do governo brasileiro tenha sido muito mais eficiente no combate à
pandemia.
O setor privado não investe porque o
ambiente de negócios é desfavorável.
Acrescente-se um governo negacionista e
atrapalhado, e temos quase 500 mil mortos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário