EDITORIAIS
Variante indiana dispara alerta para falta
de testes
O Globo
A dúvida não era se a variante indiana do Sars-CoV-2, considerada “preocupação global” pela Organização Mundial da Saúde (OMS), chegaria ao Brasil, mas quando. Dúvida não há mais. Na quinta-feira, o governo do Maranhão confirmou os primeiros casos de Covid-19 provocados pela nova cepa que catapultou a Índia ao indesejável posto de epicentro da pandemia, com o recorde de 4.429 mortes em 24 horas na quarta-feira.
A nova variante foi identificada em
tripulantes do navio Mv Shandong Da Zhi, com bandeira de Hong Kong, que chegou
a São Luís vindo da África do Sul em 7 de maio. Quinze tripulantes testaram
positivo para a Covid-19. Nos seis testes genômicos que puderam ser feitos,
todos deram positivo para a cepa B.1.617.2, linhagem da variante indiana. A
embarcação, que transporta 24 passageiros, está isolada em alto-mar, sem
permissão para atracar.
Tudo sob controle? Claro que não. Pelo
menos três pacientes com sintomas de Covid-19 saíram da embarcação para ser
atendidos em terra. Tiveram contato com cerca de cem pessoas, em tese
rastreadas para testagem e isolamento. Autoridades informaram que não foi
constatada transmissão local da variante, mas o flagrante fracasso brasileiro
para erguer barreiras sanitárias na pandemia não autoriza despreocupação. Não
se sabe se há outros casos da variante indiana circulando silenciosamente pelo
país. O governo levou dez dias para cumprir orientação da Anvisa para proibir
voos e passageiros vindos da Índia.
A situação se torna mais preocupante porque o Brasil faz pouquíssimos sequenciamentos de genoma, que permitem identificar as mutações sofridas pelo Sars-CoV-2 e monitorar as variantes que circulam. Sem esses testes, o combate à pandemia é conduzido às cegas. Não custa lembrar que o alerta para a variante de Manaus, que levou a capital amazonense a uma tragédia, foi feito por autoridades japonesas. Um vexame. Até o fim do ano passado, o Brasil sequenciara 1.768 genomas, ou 1% dos 134.859 do Reino Unido.
A testagem para Covid-19 também é pífia. O
epidemiologista Wanderson Oliveira, secretário nacional de Vigilância em Saúde
na gestão de Luiz Henrique Mandetta, lembra que o governo chegou a fazer um
planejamento para testagem em massa capaz de monitorar 22% da população (42
milhões). Com as sucessivas trocas de ministros, as estratégias se perderam
pelo caminho. No retrato de hoje, quando se analisa o percentual de testes em
relação à população, o Brasil ocupa o 25º lugar num ranking de 42 países de
todos os continentes, incluindo os com mais de 100 milhões de habitantes. Mas é
o 38º quando se observa a relação entre número de testes e casos confirmados,
sinal de que aqui se testam apenas casos suspeitos, não para detectar
transmissão e prevenir o contágio.
A descoberta da nova cepa indiana no
Maranhão deveria fazer soar todos os alertas. Já seria preocupante se o Brasil
estivesse com a pandemia controlada, mas estamos longe disso. Infectados e
mortos, mesmo estáveis, estão em patamares altíssimos. Enfermarias e UTIs
permanecem lotadas. A situação expõe nossa vulnerabilidade na área crítica da
testagem, em particular a genômica. Não adianta imaginar que a solução é só vacina.
Sem monitorar as variantes que circulam, somos passageiros de uma nau à deriva.
Conflito entre Israel e Hamas enterrou
solução de dois Estados
O Globo
O frágil cessar-fogo intermediado pelo Egito entre Israel e o grupo islâmico Hamas traz uma bem-vinda sensação de alívio às populações israelense e palestina dos dois lados da fronteira. Israel dirá ter atingido seu objetivo militar ao reduzir literalmente a pó o arsenal, os túneis e instalações bélicas do inimigo. O Hamas, por seu turno, reivindicará uma vitória política, ao proclamar-se como legítimo defensor do povo palestino, único que resistiu às investidas israelenses em Jerusalém, em contraste com a Autoridade Palestina (AP), que governa a Cisjordânia.
Surgirá naturalmente a percepção de que
está de volta o equilíbrio instável de alta tensão, com choques esporádicos
desde que Israel devolveu a Faixa de Gaza aos palestinos em 2005 e que o Hamas
passou a governá-la em 2007. Nada mais enganoso. O cessar-fogo inaugura uma
nova fase no conflito, em que ilusões se desfazem — e as perspectivas não são
nada animadoras.
Do ponto de vista político, a maior vítima
é a solução de dois Estados proposta nos Acordos de Oslo, de 1993. Enfraquecida
desde o choque entre Israel e Hamas em 2014, ela se tornou decididamente causa
perdida. Seus defensores, tanto entre israelenses quanto entre palestinos,
estão enfraquecidos. Simplesmente não há clima para nenhum tipo de negociação,
nem força política para que quaisquer concessões possam ser impostas ao campo
político de qualquer lado. Além de 243 palestinos e 13 israelenses, o conflito
matou o pouco que ainda restava do que um dia se chamou processo de paz.
Israel consolidou a política de colonização
da Cisjordânia, que hoje praticamente inviabiliza as fronteiras imaginadas para
o Estado palestino. Desde Oslo, a população judaica no território cresceu de
123 mil para 475 mil. Ao mesmo tempo, Israel caminhou para a direita.
Movimentos de colonos e grupos religiosos nacionalistas contrários a qualquer
concessão aos palestinos têm importância a cada dia maior na política interna.
Nas últimas eleições, a extrema-direita racista obteve pela primeira vez
assento no Parlamento.
Legislação e políticas em detrimento dos
árabes com cidadania israelense fizeram fermentar entre os jovens uma revolta
inédita, que os aproxima da população de Gaza e Cisjordânia. O conflito em
Jerusalém Oriental, pretexto para o Hamas disparar seus foguetes, é exemplo
disso. O cancelamento das eleições palestinas previstas para este ano, as
primeiras depois de uma década e meia, enfraquece ainda mais a liderança de
Mahmoud Abbas na AP. O Hamas tenta aproveitar o vácuo para consolidar seu poder
e, com apoio do Irã, expandir a visão apocalíptica que sempre pregou a
destruição de Israel.
É incerto o que o futuro reserva a esse
embate. Cresce o protagonismo dos partidos árabes na política israelense. Em
certa medida, trocaram o sonho do Estado palestino pela luta por direitos
dentro de Israel. Ao mesmo tempo, os foguetes do Hamas e a revolta inédita
entre os árabes com cidadania israelense são a prova de que, embora o processo
de paz esteja morto, o nacionalismo palestino ainda está vivo.
A banalidade da mentira
O Estado de S. Paulo
A CPI está sendo útil para que os
brasileiros se convençam de que estão sendo governados por um grupo político
que milita ferozmente contra a verdade
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello mentiu várias vezes em seu depoimento à CPI da Pandemia. Em dois dias de oitiva, o general intendente, mesmo estando sob juramento, inventou respostas para questões sobre os mais variados temas – o relator da comissão, senador Renan Calheiros, apontou nada menos que 14 ocasiões em que Pazuello “mentiu flagrantemente” e “ousou negar suas próprias declarações”.
O repertório de imposturas é vasto. As mais
relevantes dizem respeito à negociação para a compra de vacinas. O ex-ministro
negou o que está fartamente documentado – que o governo ignorou ou boicotou
diversas ofertas de imunizantes.
Pazuello chegou a dizer que o presidente
Jair Bolsonaro “nunca” lhe deu ordem para interromper as conversas com o
Butantan para a aquisição da Coronavac, fabricada pelo instituto paulista em
parceria com a China. Confrontado com a lembrança de que Bolsonaro
publicamente, e de maneira enfática, disse que jamais compraria a “vacina
chinesa”, o ex-ministro teve a ousadia de argumentar que essa declaração do
presidente não constituía uma ordem para cancelar a compra da Coronavac, e sim
apenas uma “posição do agente político (Bolsonaro) na internet”.
Aos fatos. A primeira proposta do Butantan
ao governo federal foi feita em julho do ano passado. Somente no dia 19 de
outubro, o Ministério da Saúde assinou com o instituto um protocolo de
intenções para adquirir 46 milhões de doses da Coronavac. O entendimento foi
anunciado numa reunião de Pazuello com governadores no dia seguinte. Ato
contínuo, Bolsonaro informou que havia mandado cancelar o protocolo: “Já mandei
cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Depois,
gravou um vídeo com Pazuello em que o intendente declarou sobre o assunto: “Um manda,
o outro obedece”. Mais claro, impossível.
Pazuello ofendeu a inteligência alheia a
respeito de diversos outros temas, do desabastecimento de oxigênio em Manaus
que resultou em muitas mortes até a campanha irresponsável pelo uso de remédios
sem eficácia. O ex-ministro tinha um habeas corpus para se manter calado, de
modo a não produzir provas contra si mesmo, mas aparentemente preferiu mentir o
tempo todo, produzindo inúmeras provas de que a mendacidade é o que melhor
traduz o governo Bolsonaro.
Isso já havia ficado evidente no depoimento
do ex-chanceler Ernesto Araújo, quando ele teve a coragem de negar que ajudou a
criar inúmeras rusgas com a China – nosso principal parceiro comercial e origem
dos insumos para a fabricação da vacina responsável por 80% da imunização no
Brasil até este momento. A senadora Kátia Abreu chamou Araújo, muito
apropriadamente, de “negacionista compulsivo”.
Assim, a CPI está sendo extremamente útil
para que os brasileiros afinal se convençam de que estão sendo governados não
apenas por mitômanos, mas por um grupo político que milita ferozmente contra a
verdade. A mentira não é acidental ou circunstancial. Não é contada para
escapar de situações constrangedoras ou para enganar eleitores na disputa por
votos. É a essência da estratégia bolsonarista de destruição dos alicerces da
democracia.
Não é possível alcançar consensos
democráticos e formular políticas públicas realistas num ambiente em que o
embuste é a norma e quando o debate público é travado com base em mentiras
escandalosas produzidas por quem tem máxima autoridade política, como o
presidente da República e seus ministros. Como informou singelamente o próprio
ex-ministro Pazuello, as palavras do presidente Bolsonaro ditas em público são
apenas “coisa de internet” – portanto, não devem ser levadas a sério.
Ou seja, a Presidência é ocupada hoje por
um animador de auditório, que, de novo segundo o intendente Pazuello, “diz o
que vem à cabeça”, para êxtase de seus fanáticos seguidores. E, ao contrário de
ser cômico, esse comportamento é trágico. O quase meio milhão de mortos pela
pandemia e a indiferença de parte da sociedade com a perda de 2 mil vidas por
dia são o resultado da progressiva desmoralização da verdade.
Guerra contra a cultura
O Estado de S. Paulo
Desmantelamento da cultura vem crescendo
cada vez mais com o governo Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro subiu ao poder como paladino de uma “guerra cultural” em nome dos valores tradicionais e contra supostos não patriotas. Se já não fosse alarmante a ideia de um governo de todos os brasileiros movendo guerra contra alguns, a realidade é mais perniciosa: não uma guerra contra tal ou qual cultura, mas uma guerra contra a cultura.
Mapeando detalhadamente o rastro de
destruição dessa guerra, a Ordem dos
Advogados do Brasil protocolou uma ação civil contra “uma série orquestrada de
atos do Poder Executivo Federal que têm por objetivo declarado o desmonte da
cena cultural no país”.
Já em seus primeiros dias, sob o pretexto
em si pertinente das pressões fiscais, o governo rebaixou o status do
Ministério da Cultura, subordinando-o como Secretaria primeiro ao Ministério da
Cidadania, depois ao do Turismo, e interrompendo o fornecimento de verbas e a
continuidade de políticas públicas sem maiores justificativas técnicas.
Em dois anos, foram seis secretários com os
perfis cada vez mais diferentes e menos qualificados, culminando na indicação
do ator Mário Frias, um militante bolsonarista sem experiência em gestão
cultural. Para o comando da Secretaria de Fomento, foi recrutado o ex-PM André
Porciuncula, notório por suas provocações a artistas e produtores culturais.
Essa intrépida trupe promoveu toda sorte de demissões e exonerações de técnicos
e especialistas, em um “aviltante processo de perseguição e tentativa de
controle político partidário ideológico”.
Mas este é só o pano de fundo. O objeto da
ação são as limitações ilegais e intervenções indevidas no procedimento de
aprovação dos projetos culturais no âmbito da Lei Rouanet, o principal
mecanismo de fomento à cultura.
Note-se que não cabe ao poder público
escolher quais projetos serão financiados, e sim às pessoas físicas ou
jurídicas que optam por destinar uma parte de seus impostos a projetos que
consideram valiosos. Não é função da Secretaria avaliar a qualidade dos
projetos – se têm ou não “valor” –, mas apenas a sua adequação a critérios
formais, como a compatibilidade do orçamento aos valores de mercado ou a
competência técnica dos produtores.
Mas o governo não só limitou drasticamente
a quantidade de projetos aprovados, como está fazendo – ou tentando fazer –
aquilo mesmo que recriminava em seus opositores: orientar as aprovações conforme
suas afinidades político-ideológicas.
Entre 2011 e 2020, foram aprovados em média
8,7 mil projetos por ano. Para 2021, a pasta estabeleceu uma meta arbitrária de
4,4 mil análises. Como nem todos os projetos analisados são aprovados, e nem
todos os projetos aprovados captam recursos, estima-se que em 2021 seriam
executados apenas 316 projetos – cerca de 1/5 da média anual da última década.
Para piorar, a Secretaria vem negando a prorrogação dos prazos de captação para
os projetos aprovados, prevista legalmente em situação de casos fortuitos, como
a pandemia.
Mais grave é o uso político. A pasta
determinou a suspensão da captação de projetos em praças onde vigoram
restrições à circulação, alegando, com flagrante hipocrisia, riscos de
aglomeração. Isso impede que os projetos captem recursos para a execução após a
flexibilização das restrições. Assim, para retaliar os governos subnacionais
contrários à política bolsonarista de enfrentar o vírus de “peito aberto”, o
governo está asfixiando as produções.
De resto, a pasta não publicou o edital de
convocação da Comissão de Incentivo à Cultura, o órgão colegiado responsável
pela aprovação dos projetos, e concentrou arbitrariamente seus poderes nas mãos
de Porciuncula.
Bolsonaro chegou ao poder capitalizando as
inquietações do eleitorado com as ambições de hegemonia cultural das
militâncias de esquerda, cuja expressão mais nefasta é a chamada “cultura do
cancelamento”. Ao invés de sanear os mecanismos públicos de fomento à
pluralidade de ideias e valores, neutralizando o autoritarismo da cultura do
cancelamento, o autoritarismo bolsonarista está promovendo indiscriminadamente
o cancelamento da cultura.
Títulos verdes
O Estado de S. Paulo
Produtividade do agro deve se apoiar em
critérios de sustentabilidade
Ano após ano o agronegócio brasileiro vem quebrando recordes de produtividade. Nas últimas décadas, o empreendedorismo apoiado por boas políticas públicas, sistemas de crédito eficientes e investimentos em tecnologia promoveu uma revolução. Em nossa geração, a atividade agropecuária tem o desafio de tornar sua produção plenamente sustentável. Essa nova meta, longe de ser antagônica à anterior, pode impulsioná-la. Os ingredientes são os mesmos, e os resultados, além dos benefícios ambientais, também: produtividade, rentabilidade e empregabilidade.
Para alavancar essa transformação, o
financiamento é crucial. Em meados da última década surgiu o mercado global de
títulos verdes, que hoje contabiliza mais de US$ 800 bilhões em emissões. O
Brasil – o maior exportador de carne bovina, aves, soja, café e suco de laranja
– é identificado como um dos mercados com maior potencial de absorção de
títulos verdes. Inicialmente, esse potencial estava restrito aos exportadores
do setor florestal. Mas nos últimos anos o cenário vem mudando.
Como mostrou reportagem do Estado,
espera-se que em 2021 o montante cresça ao menos 50%. Em 2020, usinas de açúcar
e etanol lideraram as transações. Mas empresas produtoras de grãos e ovos
também contribuíram para a captação chegar a R$ 1,47 bilhão no Brasil e US$ 655
milhões no exterior – US$ 940,8 milhões ao todo. Neste ano, as captações já
totalizaram US$ 1,213 bilhão.
No ano passado, muitas iniciativas do setor
público e do privado ajudaram a melhorar o ambiente de negócios para a emissão
de títulos verdes. A B3, que já trabalhava com o Índice de Sustentabilidade
Empresarial e o Índice de Carbono Eficiente, lançou um índice de critérios
ambientais, sociais e de governança para seleção de carteiras.
A Lei 13.986/20 introduziu inovações para
atrair investimentos internacionais. Uma delas é a concessão de terras rurais
como garantia a investidores estrangeiros, reduzindo seus riscos. Além disso,
abre a possibilidade de emitir Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs)
diretamente em moedas estrangeiras no mercado offshore. Isso deve facilitar
emissões de títulos para produtores médios e cooperativas.
Vale lembrar que há uma lacuna no
financiamento da agricultura familiar. Atualmente, ela responde por quase 80%
dos estabelecimentos agrícolas no Brasil e 23% da receita, mas recebe apenas
14% do crédito para o setor.
Recentemente, a Confederação da Agricultura
e Pecuária e a Embrapa lançaram o Projeto Pravaler, com o intuito de levar ao
campo as pesquisas desenvolvidas pelo Projeto Biomas e outros conhecimentos
para “viabilizar aos produtores soluções para a proteção, a recuperação e o uso
econômico e sustentável de propriedades rurais”.
Em setembro, o Banco Central havia lançado
uma agenda ampla de sustentabilidade que inclui desde créditos rurais até o
monitoramento de fazendas por satélite. Uma das preocupações desse programa é
estabelecer altos padrões de transparência para evitar danos reputacionais do
chamado “greenwashing” – negócios que se travestem fraudulentamente de
“sustentáveis” para receber investimentos verdes.
Em parceria com a Climate Bond Initiatives
(CBI), a maior autoridade mundial em títulos verdes, o Ministério da
Agricultura lançou, em agosto passado, um plano de investimentos voltado para financiar
projetos de agricultura sustentável. Entre os desafios apontados pela CBI estão
o aprimoramento de requisitos regulatórios a fim de facilitar o acesso ao
mercado de capitais; a construção de um pipeline de investimentos verdes; e –
sobretudo ante os atos e palavras irresponsáveis do atual governo na área
ambiental – comunicar melhor as realizações já alcançadas na agricultura
sustentável.
O Brasil é o guardião do bioma mais diverso
do planeta e caminha a passos firmes para se tornar o “celeiro do mundo”. Para
integrar essas duas vocações e promover uma revolução verde, é preciso reprimir
as práticas agrícolas predatórias e fomentar as sustentáveis – ou seja, separar
o joio do trigo. A boa notícia é que o último produto vem crescendo em escala
muito maior que o primeiro.
Lobby incansável
Folha de S. Paulo
Magistrados logram mais uma vez preservar
férias injustificáveis de 60 dias
Mais uma vez, os magistrados e procuradores
brasileiros escaparam de
um acerto de contas com os princípios republicanos. Conseguiram
adiar a votação de uma proposta de emenda constitucional que poderia pôr fim às
férias de 60 dias, um dos muitos privilégios de que gozam as duas categorias.
Desta vez, o pretexto foi a pandemia —o
momento não seria oportuno para esse tipo de mudança.
Não é de hoje que se tenta acabar com a
regalia, indisponível para a esmagadora maioria dos trabalhadores do país.
Iniciativas para fazê-lo surgem há décadas, mas são invariavelmente frustradas
pelo poderoso lobby do setor.
Os motivos alegados para a permanência do
duplo descanso vão do trivial ao escárnio. Não se trata de carreiras como as
demais, dizem alguns. O nível de estresse a que estão sujeitos os magistrados é
muito alto, proclamam outros.
A verdade é que não faz sentido econômico,
organizacional ou filosófico dobrar as férias para compensar uma ou outra
aspereza das carreiras, que já estão entre as mais bem remuneradas do serviço
público, desconsiderados os penduricalhos extrassalariais.
São exatamente as singularidades e responsabilidades
de juízes e procuradores que deveriam justificar esses altos salários.
Do ponto de vista da relação
custo-benefício, observe-se, nossa Justiça está entre as piores do mundo.
Em 2019, o Judiciário brasileiro consumiu
1,5% do Produto Interno Bruto (sem contar ministérios públicos e defensorias).
É uma proporção de despesa muitas vezes maior do que a de vários países das
Américas e da Europa.
O México, por exemplo, gasta 0,49%; o
Uruguai, 0,32%; a Itália, 0,18%; a França, 0,15%; os EUA, 0,14%. Ao que consta,
a eficiência de nossa Justiça não equivale a dez vezes a da francesa.
Os únicos países cujos gastos se aproximam
dos do Brasil são a Costa Rica (1,25%), Argentina (1,05%) e El Salvador
(0,99%).
É claro que eliminar as férias dobradas de
juízes e reverter os inumeráveis penduricalhos acoplados a seus vencimentos não
bastariam para tornar o Judiciário brasileiro eficiente, mas representaria um
excelente primeiro passo.
Num cálculo simples, só acrescentar 30 dias
de trabalho ao expediente anual dos magistrados poderia elevar sua produção em
10%.
Para além das questões orçamentárias,
existem os princípios. Um dos mais fundamentais numa república é o que assevera
a igualdade de todos diante da lei. Só isso já recomenda que magistrados e
procuradores não tenham férias de 60 dias quando os demais servidores públicos
e trabalhadores têm 30.
Quente e frio
Folha de S. Paulo
Ártico e Antártida emitem alarmes; ainda há
tempo para conter a crise do clima
Os extremos gelados da Terra, nos polos
Norte e Sul, emitem alguns dos sinais mais claros da iminente transformação
ameaçadora do clima como o conhecemos. O planeta passou por várias
reviravoltas, entre períodos glaciais e interglaciais, porém nada desencadeado
por potências estranhas à natureza, como agora.
A indústria humana se tornou uma força
geológica com as emissões de gases a intensificar o aquecimento global, elevar
o nível dos oceanos e perturbar correntes marinhas e massas de ar. Por isso o
Acordo de Paris fixou em 2º Celsius —preferivelmente 1,5ºC— o nível de segurança
para aumento da temperatura na superfície.
O aquecimento varia de região para
região. Nenhuma
esquentou tão rapidamente nas últimas décadas quanto o Ártico, onde
termômetros registraram incremento de 3,1ºC, de 1971 a 2019, segundo relatório
publicado na quinta (20).
No planeta todo, a temperatura média já
subiu um terço disso, 1ºC. O consequente derretimento do gelo sobre o oceano
Ártico, que pode desaparecer por completo nalgum verão da próxima década, não
contribui para elevar o nível do mar, mas preocupa.
Com a superfície refletora reduzida, as
águas se aquecem mais sob a luz do sol, o que afeta correntes por todo o globo.
O aquecimento boreal também derrete geleiras sobre terra, como as da
Groenlândia, capazes de acrescentar 7,4 metros ao nível do mar em caso de
desaparição completa (o que tomaria séculos ou milênios).
Nas antípodas do polo Sul, desprendeu-se
para o oceano, há poucos dias, o maior iceberg conhecido, de 4.320 km², área de
três municípios como São Paulo.
Mesmo que a ruptura não seja consequência
do clima quente, uma aceleração do processo pode enfraquecer o freio que
plataformas de gelo representam para as geleiras sobre a terra. Estas
escorregariam mais depressa para o mar, e há quase oito vezes mais gelo na
Antártida que na Groenlândia. O que acontece nos polos não fica nos polos, como
se vê.
Nem tudo é alarme. Uma boa nova vem da
Agência Internacional de Energia: estima-se que a capacidade instalada para
obter energia de fontes renováveis cresceu 45% em 2020 e que ainda é factível
estancar as emissões de carbono até 2050.
Para isso, seria preciso congelar novos investimentos em carvão, petróleo ou gás natural e parar de fabricar veículos movidos a combustíveis fósseis até 2035. Não é impossível —só muito improvável.
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