O
boom de lançamentos e vendas de “1984” e “Revolução dos Bichos” de George
Orwell, no entanto, me chamou a atenção e despertou minha curiosidade. Como
explicar que os dois livros estejam na lista dos dez mais vendidos nos últimos
meses, já que “1984” foi publicado em junho de 1949, refletindo o ambiente do
pós-guerra, e o autor tenha morrido há 71 anos?
“1984”
é um brado contra o totalitarismo. Li quando tinha 18 anos – 42 anos já se vão
– e o Brasil vivia a fase terminal da ditadura militar e a ascensão do
movimento pela redemocratização, no qual já militava. Já era um bestseller na
época. E agora volta a ser um campeão de vendas.
George Orwell é considerado um dos maiores escritores do Século XX e “1984” sua obra-prima. A qualidade do texto é impressionante e como assinalou o New York Review of Books “... 1984 é uma leitura obrigatória absorvente e indispensável para a compreensão da história moderna”.
As
grandes obras-primas muitas vezes são herméticas e difíceis. “1984”, não. Além
de encarnar um momento raro da literatura universal, se tornou popular.
A
alegoria distópica sobre a vida em Oceânia, o Grande Irmão (Big Brother), o
Partido único e totalitário, e o controle ferrenho sobre a dinâmica da
sociedade e das vidas individuais, desprovidas de qualquer liberdade, poderiam
ser materializadas em diversos eventos históricos reais. As teletelas – que
tudo ouviam e transmitiam as notícias e orientações oficiais, os helicópteros
espiões, os cartazes e pinturas dizendo “O Grande Irmão está de olho em você”,
se espalhavam por todos os cantos de Oceânia.
Os
três slogans do Partido, “Guerra é paz”, Liberdade é Escravidão” e “Ignorância
é força”, eram difundidos permanentemente. Como parte da lavagem cerebral e
anulação do passado era previsto a substituição da língua, a Velhafala daria
lugar até 2050 à Novafala, para atender às necessidades ideológicas do Socing e
do duplipensamento, cultura dominante em “1984”. A fakenews era
institucionalizada e oficial. A verdade não importava.
O
Grande Irmão e o partido poderiam ser a encarnação de Stalin e do PCUS, de
Hitler e seus nazistas, de Torquemada e a Inquisição, de ditadores
latino-americanos ou africanos. No mundo contemporâneo poderíamos fazer um
paralelo com as grandes plataformas de internet e sua capacidade invasiva sobre
a privacidade de todos, manipuladas pelos “Engenheiros do Caos” em eleições no
mundo todo.
A
grande ideia vitoriosa no final do Século XX parecia ser a da democracia e da
liberdade após a dissolução da URSS, a queda do Muro de Berlim, a decadência de
ditaduras mundo afora. Mas provando que a História, ao contrário do que queria
Fukuyama, não tem fim, em anos recentes a democracia passou a ser ameaçada,
Trump à frente, por diversos governos populistas autoritários.
“1984”
nos chama à eterna vigilância na defesa da democracia como valor universal e
inarredável.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
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