- Folha de S. Paulo
Estratégia militar oblitera natureza de conflito enraizado na negação do direito nacional palestino
O emblema do Hamas retrata o Domo da Rocha,
no monte do Templo, em Jerusalém, e os contornos do território de Israel,
Cisjordânia e Faixa de Gaza como um Estado palestino unificado. A organização
rejeita o conceito da paz em dois Estados. Sua ação assegura a existência de um
Estado único na Terra Santa —mas do Estado de Israel.
O Hamas, acrônimo de Movimento de
Resistência Islâmica, é uma ramificação regional da Irmandade Muçulmana,
organização fundamentalista sunita de raízes egípcias e aspirações
transnacionais. Foi fundado em 1988, durante a
primeira intifada, uma onda de levantes civis palestinos contra as forças
ocupantes. Já naqueles anos definiu uma estratégia de militarização
do movimento nacional palestino, engajando-se em atentados suicidas.
As curiosas alianças firmadas com as forças xiitas do Hizbullah libanês e com o Irã propiciaram a evolução para as saraivadas de foguetes contra cidades israelenses. “Os palestinos emergiram como uma nação equipada com mísseis”, celebrou Hossein Salami, chefe da Guarda Revolucionária iraniana, enquanto civis palestinos sofriam os bombardeios israelenses.
A intifada
original ajudou a empurrar Israel para a mesa de negociações que
resultou nos Acordos de Oslo, de 1993, com a OLP. Mas a paz por meio da
partilha territorial foi torpedeada em duas frentes, pela direita expansionista
israelense e pela retomada dos atentados suicidas palestinos. A guerra
permanente servia à meta do Hamas, que é a implantação de um poder estatal de
natureza teocrática.
A Faixa de Gaza caiu sob controle do Hamas
em 2007, como fruto da desmoralização política da liderança da OLP. A cisão dos
palestinos entre as duas autoridades concorrentes libertou Israel dos últimos
escrúpulos que o prendiam aos acordos de paz. Na chefia do governo desde 2009,
Netanyahu sabota sistematicamente os cada vez mais débeis
esforços internacionais de mediação. O impasse perene ajusta-se aos
objetivos do Hamas, que simula comandar um Estado em jihad eterna.
A segunda
intifada, nos primeiros anos do século, foi marcada por ataques
armados contra alvos israelenses, atentados suicidas e saraivadas de foguetes.
Ao contrário da primeira, enfraqueceu eleitoralmente o “campo da paz” em
Israel, hoje quase insignificante.
O impasse permanente semeou, entre os
palestinos, a utopia de um Estado único binacional, objetivo mais ou menos
explícito do movimento de boicote, desinvestimento e sanções contra Israel
(BDS). De fato, devido às dinâmicas demográficas, o Estado binacional teria
maioria palestina e implicaria a extinção do Estado judeu. O Hamas gosta da
ideia, que sedimenta a paisagem da guerra sem fim.
O conflito
suspenso pelo cessar-fogo foi batizado como uma quarta Guerra
de Gaza, na sequência dos confrontos entre Israel e Hamas de 2008, 2012 e 2014.
O nome esconde o mais importante: tudo começou com o processo de expulsão de
residentes árabes de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, que deflagrou
protestos palestinos.
Mas a narrativa militar imposta por rodadas de
foguetes do Hamas e pelos bombardeios retaliatórios israelenses
funciona à perfeição para os interessados na manutenção de um perverso
status-quo.
O Hamas finge que já existe um Estado palestino:
a “sua” Faixa de Gaza em guerra assimétrica com Israel. A estratégia
militar oblitera, na política internacional e nas consciências de judeus e
árabes, a natureza de um conflito enraizado na negação do direito nacional
palestino a um Estado soberano.
As manifestações coordenadas de cidadãos
árabes de Israel e palestinos da Cisjordânia e Gaza, em 18 de maio, um evento
inédito, tentaram reavivar a chama da memória histórica. As explosões seguintes
abafaram as vozes civis, restaurando a “normalidade”.
O Estado de mentira do Hamas é o pilar que sustenta o Estado judeu único na Terra Santa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário