sexta-feira, 11 de junho de 2021

Vera Magalhães - Voto impresso é a nova cloroquina

- O Globo

Já foi o nióbio, já foi o grafeno. Já tivemos a pílula do câncer. Temos, ainda na crista da onda, a cloroquina e sua prima, a hidroxicloroquina. E temos a maior de todas as cloroquinas bolsonaristas, o voto impresso.

As obsessões de Jair Bolsonaro são sempre acompanhadas de teorias da conspiração e de dados inventados. No caso da pregação pelo voto impresso, a única Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de sua autoria aprovada pelo Congresso em 28 anos como deputado, Bolsonaro sempre bateu na tecla da fraude eleitoral que estaria associada às urnas eletrônicas, sem nunca comprová-la.

A PEC que determinava a impressão de um recibo junto ao voto foi aprovada em 2015 e deixou de ser aplicada na eleição de 2018, sob a alegação da Justiça Eleitoral de alto custo e prazo insuficiente para implementá-la. Depois da eleição de Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a emenda inconstitucional no ano passado. Mas o assunto, claro, não morreu.

A nova proposta, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça em 2019 e tem tudo para passar no plenário da Câmara, embora tudo indique que não conta com um fã-clube tão entusiasmado no Senado.

Em audiência pública na mesma CCJ nesta semana, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, fez uma longa apresentação esgrimindo argumentos técnicos para a inconveniência da proposta, que classificou como “mexer num time que está ganhando”.

Procurou desmontar alguns dos argumentos falsos mais usados pelos bolsonaristas, como dizer que a urna eletrônica seria passível de invasão por hackers e não seria auditável.

Mas a discussão não será ganha apenas no terreno da lógica, ou dos fatos, como, aliás, cada vez mais as grandes questões nacionais estão condenadas a não ser. Bolsonaro consegue conspurcar qualquer debate com argumentos falsos, não se vexa em inventar relatórios, dados, números. Chega ao desatino de questionar o número de mortes por Covid-19. Não existe respeito a nada, nem ao luto de milhões de famílias.

Os ministros do STF e do TSE estão preocupados com os rumos que a viagem de cloroquina do voto impresso poderá tomar. E estão dispostos a agir preventivamente. Barroso está sendo instado pelos colegas a abrir um inquérito para investigar as balelas, repetidas à exaustão por Bolsonaro, de que a eleição que ele venceu foi fraudada e de que ele foi eleito no primeiro turno.

Alguns ministros já confrontaram o presidente diretamente quanto a essa fake news. Gilmar Mendes, olho no olho com Bolsonaro, disse que ele sabe que não foi eleito em primeiro turno, já que nem Lula, no auge de sua popularidade, em 2006, foi. Bolsonaro retorquiu que Aécio Neves teria vencido Dilma Rousseff em 2014, e de novo foi desmentido por Gilmar, que lembrou que o mineiro perdeu justamente porque foi derrotado em Minas Gerais e que a auditoria pedida pelo PSDB naquela época não encontrou nenhum indício de fraude.

O TSE e o STF pretendem fazer valer o entendimento segundo o qual a emenda do voto impresso é inconstitucional e tendem a repetir o julgamento caso o Congresso aprove nova legislação a respeito.

Mas não é só isso que os preocupa. Eles sabem que a discussão é a forma de Bolsonaro disseminar desconfiança quanto à segurança do sistema de votação brasileiro e, se necessário, usar essa cortina de fumaça para incendiar o país, se possível com apoio das Forças Armadas, para questionar uma eventual derrota em 2022.

Dentro desse contexto, é considerado vital que os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos — que têm claras intersecções, a começar pelo relator, Alexandre de Moraes, que também presidirá as eleições — sejam concluídos ainda neste ano e que os investigados sejam punidos. É isso, no entendimento do Judiciário, que desencorajará os ímpetos golpistas de Bolsonaro e de seus aliados tendo a eleição como alvo.

 

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