- O Globo
Já foi o nióbio, já foi o grafeno. Já
tivemos a pílula do câncer. Temos, ainda na crista da onda, a cloroquina e sua
prima, a hidroxicloroquina. E temos a maior de todas as cloroquinas
bolsonaristas, o voto impresso.
As obsessões de Jair Bolsonaro são sempre
acompanhadas de teorias da conspiração e de dados inventados. No caso da
pregação pelo voto impresso, a única Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de
sua autoria aprovada pelo Congresso em 28 anos como deputado, Bolsonaro sempre
bateu na tecla da fraude eleitoral que estaria associada às urnas eletrônicas,
sem nunca comprová-la.
A PEC que determinava a impressão de um
recibo junto ao voto foi aprovada em 2015 e deixou de ser aplicada na eleição
de 2018, sob a alegação da Justiça Eleitoral de alto custo e prazo insuficiente
para implementá-la. Depois da eleição de Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal
(STF) julgou a emenda inconstitucional no ano passado. Mas o assunto, claro,
não morreu.
A nova proposta, de autoria da deputada Bia
Kicis (PSL-DF), já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça em 2019 e
tem tudo para passar no plenário da Câmara, embora tudo indique que não conta
com um fã-clube tão entusiasmado no Senado.
Em audiência pública na mesma CCJ nesta
semana, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto
Barroso, fez uma longa apresentação esgrimindo argumentos técnicos para a
inconveniência da proposta, que classificou como “mexer num time que está
ganhando”.
Procurou desmontar alguns dos argumentos falsos mais usados pelos bolsonaristas, como dizer que a urna eletrônica seria passível de invasão por hackers e não seria auditável.
Mas a discussão não será ganha apenas no
terreno da lógica, ou dos fatos, como, aliás, cada vez mais as grandes questões
nacionais estão condenadas a não ser. Bolsonaro consegue conspurcar qualquer
debate com argumentos falsos, não se vexa em inventar relatórios, dados,
números. Chega ao desatino de questionar o número de mortes por Covid-19. Não
existe respeito a nada, nem ao luto de milhões de famílias.
Os ministros do STF e do TSE estão
preocupados com os rumos que a viagem de cloroquina do voto impresso poderá
tomar. E estão dispostos a agir preventivamente. Barroso está sendo instado
pelos colegas a abrir um inquérito para investigar as balelas, repetidas à
exaustão por Bolsonaro, de que a eleição que ele venceu foi fraudada e de que
ele foi eleito no primeiro turno.
Alguns ministros já confrontaram o
presidente diretamente quanto a essa fake news. Gilmar Mendes, olho no olho com
Bolsonaro, disse que ele sabe que não foi eleito em primeiro turno, já que nem
Lula, no auge de sua popularidade, em 2006, foi. Bolsonaro retorquiu que Aécio
Neves teria vencido Dilma Rousseff em 2014, e de novo foi desmentido por
Gilmar, que lembrou que o mineiro perdeu justamente porque foi derrotado em
Minas Gerais e que a auditoria pedida pelo PSDB naquela época não encontrou
nenhum indício de fraude.
O TSE e o STF pretendem fazer valer o entendimento
segundo o qual a emenda do voto impresso é inconstitucional e tendem a repetir
o julgamento caso o Congresso aprove nova legislação a respeito.
Mas não é só isso que os preocupa. Eles
sabem que a discussão é a forma de Bolsonaro disseminar desconfiança quanto à
segurança do sistema de votação brasileiro e, se necessário, usar essa cortina
de fumaça para incendiar o país, se possível com apoio das Forças Armadas, para
questionar uma eventual derrota em 2022.
Dentro desse contexto, é considerado vital
que os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos — que têm claras
intersecções, a começar pelo relator, Alexandre de Moraes, que também presidirá
as eleições — sejam concluídos ainda neste ano e que os investigados sejam
punidos. É isso, no entendimento do Judiciário, que desencorajará os ímpetos
golpistas de Bolsonaro e de seus aliados tendo a eleição como alvo.
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