- Ricardo Noblat / Metrópole
Por que ele desperdiçaria a maior
oportunidade que já teve na vida? Ensaboador de palavras, o ministro vai
levando enquanto der
Nas franjas do governo, e em pelo menos um
gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto, correu o temor de que o
médico cardiologista pedisse demissão do cargo de ministro da Saúde depois que
o presidente Jair Bolsonaro o chamou de “o tal Queiroga” e investiu contra o
uso de máscara na pandemia.
Qual o quê! Queiroga tirou de letra o
deboche de Bolsonaro e o anúncio feito por ele de que encomendou ao ministério
um parecer para dispensar o uso de máscara pelos brasileiros que já
contraíram o vírus ou foram vacinados. Queiroga orgulha-se de ter tornado
obrigatório o uso de máscara dentro do ministério.
Serelepe, à noite, Queiroga foi visto em
uma conversa amiga com jornalistas da Rede Record a dizer que o parecer seria
elaborado, o que não significa o banimento da máscara. Queiroga destaca-se por
sempre afirmar uma coisa e o seu oposto. Ser ministro foi a maior oportunidade
da sua vida, e ele não quer desperdiçá-la.
A diferença entre ele e seu antecessor, o
general da ativa Eduardo Pazuello, de triste memória, é que o general obedecia
às ordens de Bolsonaro porque tinha juízo; Queiroga obedece porque não quer
perder o emprego. Pazuello, a exemplo de Bolsonaro, maneja mal as palavras;
Queiroga sabe ensaboá-las para criar espuma.
O disparo de Bolsonaro contra a máscara não vai dar em nada. Uma lei aprovada pelo Congresso obriga o uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos. Mudanças na lei precisam passar pelo Congresso.
De resto, o Supremo Tribunal Federal decidiu
que cabe a governadores e prefeitos baixarem medidas de enfrentamento à
pandemia. Mantê-las ou revogá-las é decisão deles. O governo federal não poderá
fazê-lo. Foi mais um tiro de Bolsonaro para tirar a atenção pública da CPI da
Covid-19.
O Brasil registrou, ontem, 2.344 mortes.
São 482.135 até aqui. No máximo em 10 dias, o país deverá bater a marca de meio
milhão de mortos. O número equivale à quantidade de brasileiros mortos na
Guerra do Paraguai multiplicada por 10. Ou dos americanos mortos na 2ª Guerra
Mundial e nas guerras da Coreia e do Vietnã.
O que Gilmar Mendes disse a Bolsonaro e o
que ouviu dele
Os dois conversaram sobre o voto impresso,
obsessão do presidente. De pouco adiantou
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo
Tribunal Federal, resiste à sugestão que ouviu de colegas para abrir um
inquérito que apure a denúncia, repetidas vezes feita por Bolsonaro, de que
houve fraude na eleição vencida por ele em 2018.
“Isso seria dar palanque para ele e a sua
turma”, comentou Barroso outro dia. Bolsonaro diz ter provas de que ganhou no
primeiro turno, mas que sua vitória só foi reconhecida depois de ele derrotar
Fernando Haddad (PT) no segundo turno.
“Cadê as provas?” – perguntou-lhe o
ministro Gilmar Mendes numa conversa há um mês no Palácio da Alvorada. “Estão
com os técnicos”, respondeu Bolsonaro. “E por que não as manda para a justiça
eleitoral examinar”? – insistiu o ministro.
Bolsonaro calou-se. Sorriu quando Gilmar
provocou-o: “Se houve fraude, foi para eleger Hélio Negão e Daniel Silveira”.
Os dois são deputados federais, eleitos com o apoio de Bolsonaro. Negão não sai
da sombra do presidente. Silveira está em prisão domiciliar.
Bolsonaro quer a volta do voto impresso nas
eleições de 2022. Barroso argumenta que o voto eletrônico é imune à fraude, mas
o voto impresso não. Bolsonaro disse a Gilmar que a eleição de 2014 foi
fraudada para que Aécio Neves (PSDB) não derrotasse Dilma.
Gilmar retrucou que se tivesse havido fraude, ele saberia por que, à época, era o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Bolsonaro não se convenceu. É uma questão de crença, de fé, e também de esperteza. Caso não se reeleja, dirá que houve fraude.
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