- Folha de S. Paulo
Para alguns, isso é óbvio. Mas, como dizia
Nelson Rodrigues, só os profetas enxergam o óbvio
Dos muitos achados de Nelson Rodrigues que
entraram para a cultura nacional --"Complexo de vira-lata",
"Subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos", "O
brasileiro quando não é canalha de véspera é canalha no dia seguinte"--,
nenhum é mais atual que "Só os profetas enxergam o óbvio". Nelson
criou-o a partir da história de Otto
Lara Resende, que, ao ir de carro para a Cidade pelo Aterro do Flamengo,
passava todo dia pelo Pão de Açúcar e não o enxergava. Por que não? Porque o
Pão de Açúcar era o óbvio.
De repente, Otto o enxergou. Freou no meio da pista, desceu atônito e começou a apontar a pedra para interlocutores imaginários: "Não é possível! De onde saiu???". Outros motoristas pararam para, talvez, socorrê-lo. E, de fato, Otto, que era asmático, foi atacado de falta de ar. "Calma, senhor!", diziam. Alguém o abanou com o Globo. Ele não se conformava: "Ontem não estava aqui!". E Nelson completou: "Foi o encontro do Otto com o óbvio. O óbvio ululante".
Neste momento, estamos também diante de um
óbvio que talvez não queiramos enxergar: o de que Jair Bolsonaro chegou a um
ponto sem volta na sua preparação para um golpe.
Golpe que ele vem fomentando desde o dia da
posse, quando botou em dúvida o voto eletrônico que o elegera —ideia que tem
ganhado surpreendentes adesões. Bolsonaro, que já chegou ao Planalto com o
aplauso das milícias, dedicou-se imediatamente a armar a população —hoje, o
arsenal em mãos de civis, incluindo fuzis restritos às Forças Armadas, vai a
quase 2 milhões de peças. Some a isso as PMs dos estados e o baixo oficialato
do Exército, que ele corrompeu com cargos, benesses e ideologia. Efetivo para
dar um murro na mesa e mandar um general calar a boca Bolsonaro já tem.
Ah, sim, os generais. Deixaram-no ir longe
demais. Talvez por isso, vendo-se sem margem de recuo, tenham agora de
continuar com ele rumo à aventura.
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