Folha de S. Paulo
Se você quer o impeachment de Bolsonaro,
seja contra a violência nos protestos
Os protestos
de 3 de junho chamaram muita gente às ruas, mas ainda não alcançaram
a dimensão necessária para impressionar a classe política e a opinião pública.
Além disso, foram palco de infelizes atos de
violência: depredação de universidade, banco, ponto de ônibus;
funcionários de segurança do metrô e policial feridos; e até mesmo agressão contra
manifestantes de outros partidos.
As cenas de violência correm os grupos de
WhatsApp e servem como propaganda bolsonarista. Mesmo assim, não falta quem
defenda o uso da violência, ecoando os argumentos
usados por black blocs desde os anos 2000. Como derrubar um
governo com inclinações autoritárias sem a violência?
Na realidade, a violência não é só
eticamente problemática. Ela é também um desastre estratégico. É o que mostram
as pesquisadoras Erica Chenowith e Maria Stephan em “Why Civil Resistance
Works” (2012).
Em um levantamento exaustivo de todos os movimentos para mudança de regime no mundo entre 1900 e 2006, as pesquisadoras constataram que movimentos não violentos tiveram mais que o dobro da taxa de sucesso que movimentos violentos (e mesmo contra os regimes mais repressivos).
A explicação é simples. Primeiro: há uma brutal desproporção entre a força dos
manifestantes e as forças de segurança. Por mais radicais que sejam, um punhado
de jovens radicais são insignificantes perto do poder de repressão do Estado.
Não há nenhuma revolução a caminho.
O que determina o sucesso de um movimento
popular nos dias de hoje, mais do que a força das armas, é seu poder de
conquistar a opinião pública. Sua capacidade de mobilizar pessoas simpáticas à
causa e persuadir aquelas que ainda não se posicionaram.
Quanto mais
violento o protesto, mais ele afasta as pessoas das ruas —especialmente
os mais vulneráveis fisicamente, como idosos, mulheres e pessoas com deficiência—,
seja por medo ou por antipatia. Ao mesmo tempo, coloca a opinião pública contra
os manifestantes e a favor da repressão.
Um mar de manifestantes pacíficos dá a
segurança para ainda mais pessoas irem às ruas. E aumenta a simpatia pela
causa. Se a polícia usar da violência contra manifestantes pacíficos, a opinião
pública os favorece ainda mais.
Há até quem diga que os atos de
vandalismo dos protestos tenham sido obra de policiais
bolsonaristas infiltrados. Não faço ideia se a acusação é verdadeira, só
ressalto a conclusão óbvia: o uso da violência é tão ruim para a causa
antibolsonarista que suscita até mesmo a hipótese de sabotagem.
Em breve, conforme a vacina ganhe tração,
se tornará mais seguro tomar as ruas. Será o momento de conquistar o coração do
maior número de pessoas —de todos os partidos— para mostrar com clareza para a
classe política que este governo já ultrapassou todos os limites.
No momento, para as legendas do centrão, é
confortável ter um presidente fraco. O único jeito de mudar esse cálculo
político é por meio da pressão popular. É momento de unir, não de dividir.
Momento de mostrar que nenhum cidadão honesto, pacífico e solidário pode
tolerar a incompetência, a má-fé, a corrupção e a podridão moral do governo
Bolsonaro e seus aliados.
Se você quer que Bolsonaro pague pelos crimes que cometeu como presidente, começando já pela perda do mandato, coloque-se claramente contra atos de violência e depredação nos protestos pelo impeachment. E cobre dos organizadores passos concretos para impedir e afastar pretensos revolucionários que, num ato vaidoso e destrutivo, comprometem toda a causa. Quanto mais aliados, melhor.
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