Modelo usado em outros países e até no
Oscar acaba com necessidade de segundo turno
Marlen Couto e Rayanderson Guerra / O Globo
RIO — A comissão da reforma política na
Câmara discute se incluirá ou não uma proposta para instituir no Brasil o
sistema de voto preferencial nas eleições para os cargos majoritários, como
presidente, governador e prefeito. A proposta, segundo a relatora da comissão,
Renata Abreu (Podemos-SP), está em debate com os partidos.
Nesse sistema, que elimina a necessidade de segundo turno, o eleitor vota em uma lista de candidatos segundo sua preferência. Caso nenhum dos candidatos obtenha mais de 50% do total de votos, o último colocado é eliminado. Os votos dos eleitores que o escolheram são distribuídos de acordo com sua segunda opção. Se o patamar de 50% ainda não tiver sido alcançado, elimina-se o penúltimo e redistribuem-se seus votos. Repete-se o procedimento até um dos candidatos atingir mais de 50%.
O voto preferencial é adotado para a
escolha de prefeitos e governadores em alguns estados dos Estados Unidos. No
Maine, o sistema é usado para a eleição de governador. O método é utilizado,
desde 2004, em São Francisco, na Califórnia, e será testado em breve para a
eleição municipal de Nova York. De acordo com a FairVote, organização que
defende a reforma eleitoral nos Estados Unidos, em junho de 2021, 22
jurisdições usaram o voto preferencial em suas eleições. Outras 53 jurisdições
devem adotar o sistema nas próximas eleições. Um projeto piloto em Utah vai
testar o sistema em 23 cidades do estado ainda neste ano.
O método é usado ainda em eleições
provinciais e para prefeituras na Nova Zelândia e no Canadá. No âmbito federal,
também foi implementado na Austrália e na Irlanda. Modelo semelhante é usado
ainda na premiação do Oscar para definir o melhor filme.
Prós e contras
Um dos argumentos de entusiastas do sistema
é a eleição de governantes sem a necessidade do segundo turno, o que reduz os
custos do processo eleitoral. Outros argumentos são que o método afastaria um
cenário de polarização, inibiria o voto útil já em primeiro turno e elegeria o
candidato mais bem colocado entre as opções de todos os eleitores, em tese
alguém mais moderado. Já os críticos afirmam que, na prática, acabam eleitos
candidatos que já estão na primeira ou segunda colocação e argumentam que o
sistema de votação é confuso e pode afetar a credibilidade do processo
eleitoral.
Responsável pela emenda debatida na
comissão, o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG) defende que o atual
sistema, com dois turnos, é imperfeito porque, na sua avaliação, força o
eleitor a votar não no seu candidato preferido, mas naquele que tem mais chance
ou que tem mais condição de vencer.
— O efeito com o voto preferencial é que o
eleitor é mais “sincero” na sua decisão, não precisa fazer voto útil, e o
ganhador final é alguém mais bem recebido pela população porque candidatos mais
moderados acabam tendo mais chance.
Renata Abreu também diz que o sistema pode
reduzir a polarização por potencialmente eleger quem tem menos rejeição e diz
que a comissão avalia sua aplicação em eleições para presidente, governador e
prefeito.
— Pode ser alternativa para harmonizar o
país e reduzir custos, porque você evita um segundo turno. Ainda mais no
cenário de pandemia, seria muito útil — disse a relatora ao GLOBO.
Uma análise da FairVote com os resultados
de 236 eleições com votação preferencial nos Estados Unidos, por outro lado,
mostra que, em apenas 29, o vencedor não foi o primeiro ou o segundo colocados
na disputa. Em apenas 15 delas, o vencedor não foi o líder na primeira rodada:
em 13, o segundo colocado venceu e em duas foi o terceiro. Ou seja, o eleito
seria diferente do resultado alcançado em um segundo turno em apenas 0,8% dos
casos.
Mitraud defende que, nos lugares em que o
voto preferencial é usado, não há cenário de polarização extrema como no Brasil
e, por isso, não é possível avaliar a partir da experiência estrangeira como
seria sua aplicação no país. Ele afirma que, pelo fato de o sistema ser uma
novidade, é preciso inseri-lo aos poucos nas eleições e diz que a melhor opção
é começar com a mudança já na disputa presidencial:
— Chama atenção do país inteiro e onde a
gente vive uma polarização nociva ao país.
O cientista político Emerson Cervi, da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), por sua vez, avalia que sistemas
eleitorais “funcionam quando são compreendidos pelos eleitores”, o que demanda
simplicidade, transparência e prática.
— Quando mudamos tão radicalmente um
sistema, que vai muito além do fim do segundo turno, isso gera um problema para
o eleitor. Até ele entender que o primeiro voto vai ser excluído e passará a
valer o segundo voto, isso pode gerar problema de legitimidade do sistema para
o eleitor comum — diz Cervi.
O cientista político Marcus Ianoni,
professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), defende a manutenção do
atual sistema. Segundo ele, o método atual garante que candidatos e partidos
políticos se reorganizem em alianças e entendimentos políticos em segundo turno
com vistas à formação de um governo pautado no presidencialismo de coalizão. O
voto preferencial, de acordo com ele, é uma discussão temerária na atual
conjuntura.
— A proposta do voto preferencial é de difícil entendimento para a população e, além disso, tira a possibilidade de haver uma reorganização das coalizões nos casos em que ocorre segundo turno. Como costuma-se dizer, o segundo turno é uma outra eleição, assim tem sido. Ou acabam com o segundo turno ou fica como está, não acho boa essa experimentação do voto preferencial — conclui Ianoni.
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