terça-feira, 6 de julho de 2021

Hélio Schwartsman - Censurando o presidente

Folha de S. Paulo

Já que não conseguimos nos livrar do pior presidente da história, resta-nos a redução de danos

Sim, a Constituição, em seu artigo 86, § 4, determina que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não seja responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Isso significa que, se surgirem provas irrefutáveis de que o chefe da nação estuprou e matou uma menor antes de assumir o cargo, ele só poderá responder pelo ilícito após deixar o posto.

E se os atos não forem estranhos ao exercício de suas funções? Nesse caso, ele pode em tese ser responsabilizado, mas o caput do mesmo artigo 86 estabelece que o processo só será aberto se a Câmara, por maioria de 2/3, o autorizar. E uma maioria de 2/3, vale lembrar, é ainda mais difícil de obter do que uma de 3/5 necessária para, por exemplo, transformar o Brasil numa monarquia.

Tornar-se presidente da República é uma boa alternativa para bandidos em busca de saídas legais para furtar-se à responsabilização penal. O que eu gostaria de discutir hoje, porém, não são as rotas para a inimputabilidade e sim a possibilidade de o presidente ser submetido a medidas cautelares —algo que a Constituição não proíbe.

Lamentavelmente, há quem acredite em Jair Bolsonaro. Assim, quando ele põe em dúvida a segurança das vacinas, alguns brasileiros deixam de imunizar-se. Quando ataca a máscara, alguns deixam de usá-las. Quando ataca a China, os IFAs atrasam. Tudo isso resulta em mais contágios e mais mortes.

Meu ponto é que não é constitucionalmente inviável que as cortes superiores proíbam Bolsonaro de manifestar-se sobre essas questões ou, ao menos, exijam que ele apresente provas de suas afirmações, como o TSE fez em relação às supostas fraudes eleitorais. Não gosto quando a Justiça impõe, direta ou indiretamente, silêncios a pessoas, mas ela o faz com enorme frequência e em princípio dentro da lei.

Já que não conseguimos nos livrar do pior presidente da história, resta-nos a redução de danos.

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