EDITORIAIS
Bolsonaro além dos limites
O Estado de S. Paulo
Um presidente da República que, para
desviar a atenção, se vale de um “vamos supor” não merece nenhum crédito.
Na sexta-feira passada, abriu-se o
inquérito para investigar o presidente Jair Bolsonaro por crime de
prevaricação. No sábado, manifestantes foram às ruas, em todas as capitais do
País, para pedir o impeachment de Bolsonaro. Foi a terceira onda de
manifestações em dois meses. E qual foi a reação de Jair Bolsonaro diante de
tudo isso?
No domingo, Jair Bolsonaro foi ao Twitter
fazer graves insinuações. Não citou nomes. Não falou de onde provinha a
informação. Nem mesmo afirmou se o que disse era de fato uma informação.
Valeu-se do manual da covardia.
“Vamos supor – escreveu o presidente da República
em sua conta no Twitter – uma autoridade filmada numa cena com menores (ou com
pessoas do mesmo sexo ou com traficantes) e esse alguém passe a fazer chantagem
ameaçando divulgar esse vídeo. Parece que isso está sendo utilizado no Brasil
(importado de Cuba pela esquerda) onde certas autoridades tomam decisões
simplesmente absurdas, para atender ao chantageador.”
A prática da chantagem é crime no Brasil. O
Código Penal prevê pena de quatro a dez anos de reclusão para quem “constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou
para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar
de fazer alguma coisa”.
Não cabe ao presidente da República
insinuar a existência de chantagem. Ou tem elementos suficientes para
apresentar uma notícia-crime ou deve manter-se calado sobre o assunto, sem
insinuar ou difundir boatos.
No entanto, Jair Bolsonaro segue o caminho oposto, espalhando confusão sob os mais variados pretextos. As manifestações do dia 3 de julho, assim como as de 29 de maio e de 19 de junho, pediram o impeachment do presidente. A cada dia, mais brasileiros estão convictos de que o presidente Bolsonaro cometeu, com seus atos e suas omissões, crime de responsabilidade durante a pandemia e deve, pelas vias constitucionais, ser afastado do cargo.
Além disso, os escândalos de compra e
negociação de vacinas anticovid, envolvendo integrantes do governo federal – e
com a acusação de que o presidente Bolsonaro teria se omitido diante de
informação sobre mau uso do dinheiro público –, fortaleceram os pedidos de
impeachment do presidente da República.
E qual foi a reação de Jair Bolsonaro?
Falando das manifestações de sábado, o presidente escreveu em sua conta no
Twitter: “Esse tipo de gente quer voltar ao Poder por um sistema eleitoral não
auditável, ou seja, na fraude”.
O atual sistema de votação é inteiramente
auditável, em suas várias etapas. Ou seja, Jair Bolsonaro difunde informação
falsa. Como também é falsa a acusação de que, sem voto impresso, haverá fraude
nas próximas eleições.
Jair Bolsonaro recorre a insinuações e
acusações sem prova. No ano passado, anunciou que apresentaria em breve provas
de fraude nas eleições de 2018. Até agora não trouxe nenhum indício. Se tudo
isso pode parecer estranho e ilógico – vale lembrar que Jair Bolsonaro foi
eleito presidente da República em 2018 –, é cada vez mais evidente que a
disseminação de confusão e desconfiança por parte do bolsonarismo é uma tática
deliberada.
Imediatamente após o presidente Bolsonaro
insinuar chantagem contra uma autoridade, as redes bolsonaristas puseram-se a
trabalhar, dando continuidade à disseminação de insinuações e boatos.
Nessa toada, não surpreende que o governo
de Jair Bolsonaro tenha alcançado o seu patamar mais baixo de aprovação.
Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em
parceria com o Instituto MDA, a avaliação positiva do governo federal caiu de
33%, em fevereiro de 2020, para 27,7% em julho deste ano. No mesmo período, a
rejeição ao presidente Bolsonaro subiu de 51,4% para 62,5%.
Um presidente da República que, para desviar a atenção, se vale de um “vamos supor” não merece nenhum crédito. Não precisa ser terrivelmente evangélico para saber que o sim deve ser sim e o não, não. O que passa disso vem do coisa-ruim, diz a Bíblia.
Populismo irracional
O Estado de S. Paulo
Agrado a motociclistas é mostra de que
Bolsonaro não compreende a natureza do cargo
Desde a investidura no cargo, o presidente
Jair Bolsonaro tem dado mostras de que fez a opção por governar para
determinada parcela da sociedade, e não para todos os cidadãos, sejam ou não
seus eleitores. Muitos dos erros que Bolsonaro cometeu – e continua cometendo –
decorrem desta incompreensão primordial de seu papel como supremo mandatário do
País e dos limites para o exercício da Presidência da República.
Seu pacote de políticas públicas, se assim
podem ser chamadas, passa ao largo das necessidades da maioria dos brasileiros
no contexto de uma renitente crise econômica conjugada com a maior tragédia
sanitária a se abater sobre a Nação na história recente. Ele inclui desde o
abrandamento das normas para concessão de posse e porte de armas de fogo até a
mobilização do Ministério da Educação (MEC) para defesa e implementação do
homeschooling, tema que interessa a não muito mais do que 8 mil famílias no
Brasil.
O mais novo exemplo desta forma de
Bolsonaro governar para nichos de apoiadores veio à luz há dias, com o anúncio
da isenção da tarifa de pedágio para motociclistas a partir das novas concessões
de rodovias federais. Não há razão social a justificar tal medida. Trata-se
apenas de um regalo concedido pelo presidente a um grupo que nem sequer é
organizado.
De acordo com o Ministério da
Infraestrutura, pasta responsável pelos processos de concessão e pela
implementação do benefício aos motociclistas, o custo da gratuidade seletiva do
pedágio recairá sobre as tarifas pagas pelos demais motoristas, inclusive os
caminhoneiros, categoria que também há dias foi agraciada por Bolsonaro com o
programa “Gigantes do Asfalto”, que prevê uma série de medidas que têm por
finalidades reduzir o custo dos fretes e aumentar a renda dos caminhoneiros
autônomos.
A pasta argumenta que o benefício aos
motociclistas “não deve gerar grande impacto nas tarifas” pagas pelos demais
motoristas. No caso da nova concessão da Rodovia Presidente Dutra, por exemplo,
que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, estima-se um aumento médio de 0,5% no
valor das tarifas de pedágio com a concessão da gratuidade aos motociclistas. O
tratamento desigual foi classificado como “retrocesso” pela Associação
Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). O Tribunal de Contas da União
(TCU) analisará a benesse.
O contrassenso especificamente evidente em
relação ao afago aos caminhoneiros revela a falta de visão sistêmica que marca
o governo federal, que, por sua vez, decorre da falta de um programa de governo
claro e orgânico definido e liderado pelo presidente da República. Assim,
governando ao sabor de suas necessidades político-eleitorais, Bolsonaro tenta
agradar a umas e outras categorias sem se ocupar sequer de antever as possíveis
contradições entre suas ações. Os caminhoneiros já se posicionaram contra a
isenção do pedágio para motociclistas. Aldacir Cadore, do Comando Nacional do
Transporte (CNT), disse ao Estado que, com mais aumento do pedágio para os
caminhoneiros, “está ficando inviável rodar”.
Este conjunto de benefícios dirigidos
também ilustra o quão distante Bolsonaro está de suas promessas como candidato.
Parece que foi há muitos anos que o capitão reformado conquistou o voto da
maioria dos brasileiros prometendo reformar o Estado, no sentido de dar-lhe
mais eficiência, acabar com a “mamata” que, em sua visão, marcara governos
anteriores e, talvez a maior de suas falácias, implementar, pela primeira vez,
um liberalismo a valer no Brasil.
O que tem sido visto é o exato oposto das promessas de campanha, um presidente que, do alto cargo que ocupa, sobrepõe seus interesses particulares sobre o interesse nacional e mobiliza as estruturas governamentais para criar formas de cooptação e manutenção de apoio político segmentado. Tudo isso com olhos obcecadamente voltados para sua reeleição, não para o futuro do País. Se jamais será um estadista, Bolsonaro poderia ao menos tentar governar como um presidente.
Na inflação, Brasil está por cima
O Estado de S. Paulo
Alta de preços no País supera de longe a média observada em grandes economias
Alta de preços supera a média em grandes
economias.
Com o surto global de inflação, puxado
principalmente pelos preços dos alimentos e da energia, o Brasil mais uma vez
se destaca de forma negativa. O País é um grande produtor e exportador de
comida e ninguém pode falar de escassez de produtos nas feiras e nos
supermercados. No entanto, os aumentos enfrentados pelo consumidor brasileiro
são muito maiores que os observados na maior parte do mundo emergente e em
desenvolvimento – e muito superiores àqueles contabilizados nas áreas mais
avançadas da Europa, da América do Norte e da Ásia. Além disso, essa diferença poderá
ainda aumentar neste ano e no próximo, se os fatos confirmarem as estimativas
correntes.
O contraste entre a situação brasileira e a
de dezenas de outros países fica bem claro, mais uma vez, num relatório
recémpublicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), hoje formada por 38 membros e, até há poucos meses, por 37. Nesse
conjunto, a inflação acumulada em 12 meses passou de 3,3% em abril para 3,8% em
maio. No Grupo dos 20 (G-20), integrado pelas 20 maiores economias, o avanço
foi de 3,8% para 4,3%. No Brasil, a alta anual de preços saltou de 6,8% para
8,1% na mesma comparação.
Só um país-membro do G20, a Argentina,
superou o Brasil nesse quesito, com a inflação acumulada saindo de 46,3% em
abril para 48,8% em maio. Mas o desajuste argentino, com graves dificuldades
fiscais, problemas com a dívida externa, inflação muito alta e economia
emperrada, já se prolonga há vários anos e segue sem solução previsível.
Também na maior economia do mundo a
recuperação econômica veio acompanhada de alta de preços. Nos Estados Unidos, a
inflação anual subiu de 4,2% em abril para 5% em maio. Mas esse quadro foi
descrito como passageiro pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
Com essa avaliação, parece descartado, pelo resto do ano, o risco de um aumento
dos juros básicos. Esse aumento, o remédio mais provável contra a alta de
preços, mexeria com o mercado financeiro internacional, afetaria o câmbio e
poderia produzir um novo aumento do dólar em relação ao real, com efeitos sobre
os preços no Brasil.
Na China, segunda maior potência econômica,
os preços ao consumidor continuam muito bem comportados, com elevação de apenas
1,3% nos 12 meses até maio. Até abril a variação havia ficado em 0,9%, apesar
da forte reativação da economia chinesa desde o segundo trimestre do ano
passado. Na Índia, outro grande emergente asiático, a alta anual chegou a 5,3%
em maio. No Japão, terceira maior economia do mundo, a inflação, normalmente
muito baixa, recuou em 12 meses e a variação acumulada até maio chegou a -0,2%.
A inflação é um complemento importante no
quadro das diferenças, quando se confrontam as grandes economias – avançadas e
emergentes – com a brasileira. Quando chegou a pandemia, o desemprego no Brasil
era o dobro, aproximadamente, da média da OCDE. Também superava o observado no
G-20. Com a reativação econômica, as condições de emprego também começaram a se
recuperar. Podem ter continuado piores que antes da crise, mas os piores
indicadores foram superados. No Brasil, o desemprego continuou a crescer em
2021.
No caso brasileiro, a inflação agravou os
problemas do enorme contingente dos desempregados, dos subutilizados e, de modo
especialmente dramático, daqueles desprovidos, durante meses, até do auxílio
emergencial. Esse quadro já seria muito feio se os problemas sanitários fossem
menos graves. Mas a pandemia continuou devastadora, no primeiro semestre,
enquanto a vacinação avançava devagar e o governo central confirmava sua
inépcia para enfrentar – e até para reconhecer – a maior crise de saúde em um
século.
Quanto à inflação, as expectativas continuam sombrias. Em 2021 os preços ao consumidor devem subir 6,07%, segundo projeção do mercado, superando o centro da meta (3,75%) e o limite de tolerância (5,25%). A inflação projetada para o próximo ano, de 3,77%, também ficará acima do centro – e muito acima do bem-estar das famílias.
O juro não é zero
Folha de S. Paulo
Apesar de vetos de Bolsonaro, é positiva
lei que busca conter endividamento
Em atividades onde exista grande assimetria
de conhecimento entre consumidores e empresas provedoras de um bem ou serviço,
são fundamentais políticas públicas corretivas. No Brasil, dada a baixa
educação financeira de grande parte da população, a concessão de empréstimos
está entre as atividades com mais espaço para abusos.
É positiva, nesse contexto, a sanção
da lei que busca combater o superendividamento, que atingiria hoje
cerca de 30 milhões de brasileiros —e que é definido como a incapacidade de um
devedor de boa-fé de pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem
comprometer sua subsistência.
O texto tem como objetivos melhorar a
qualidade da informação para que o potencial tomador possa decidir de forma
mais abalizada e, ao mesmo tempo, estabelecer mecanismos para que endividados
possam sair da armadilha.
Qualquer oferta de crédito ou venda a prazo
deverá informar com clareza o custo efetivo total, a taxa efetiva mensal de
juros (aquela que inclui todos os encargos), a taxa de mora e o total de
encargos em caso de atraso no pagamento, entre outros esclarecimentos.
Com o prazo de até sete dias para que o
consumidor possa se arrepender, a empresa ofertante precisará apresentar o
endereço (inclusive eletrônico) do fornecedor e a possibilidade de pagamento
antecipado, e não oneroso, do débito. Deverá ser transparente a identidade do
agente financiador.
As informações deverão ser oferecidas de
maneira simples. A lei também menciona os cuidados adicionais que devem existir
em se tratando de pessoas idosas, analfabetas ou em situação vulnerável.
Em geral, regulamentos desse tipo são
bastante poderosos para evitar decisões erradas e minimizar o risco de dívidas
em excesso.
Infelizmente, contudo, houve veto presidencial
ao artigo que proibia a promessa de empréstimos sem juros ou gratuitos. É
sabido que o dinheiro tem custo no tempo, de modo que não se mostra correto
aceitar a formatação de ofertas nesse sentido enganosas. Mesmo assim, a
exigência geral de maior transparência é um avanço.
O outro aspecto essencial da nova
legislação é disciplinar a busca de acordos voluntários, em audiências de
conciliação, para reestruturar as dívidas com todos os credores, com
alongamento de prazos e revisão de taxas.
As novas regras complementam iniciativas dos órgãos reguladores na mesma direção, em particular o esforço do Banco Central para ampliar o conhecimento financeiro e fomentar a concorrência.
Injustiça irreparável
Folha de S. Paulo
Revisão de prisão indevida após reportagem
não corresponde a um final feliz
José Aparecido Alves Filho passou os
últimos sete anos de sua vida preso por um crime que não cometeu. Revoltante
até num país acostumado a injustiças, o caso
revelado pela Folha é
paradigmático dos descaminhos de um sistema que, não bastasse prender muito e
mal, ainda condena inocentes a longos períodos de cárcere.
Essa tragédia de erros e arbitrariedades
teve início em 24 de março de 2014, quando José Henrique Vettori, proprietário
de um sítio em que Alves Filho trabalhava, foi assassinado no município
paulista de Tuiuti, parte da zona rural de Bragança Paulista.
Cerca de dois meses depois, Evandro Matias
da Cruz, um dos autores do assassinato, foi localizado e preso. Identificou-se
seu tio como o autor do disparo que vitimou Vettori, e a polícia passou a
buscar um terceiro criminoso.
Contrariando procedimentos básicos do
processo de reconhecimento, os agentes que interrogaram Matias da Cruz não
pediram a ele que descrevesse as características físicas do suspeito.
Em vez disso, apresentaram algumas
fotografias. Quando viu a de Alves Filho, o interrogado titubeou: afirmou que
poderia ser ele, mas não tinha certeza.
Entretanto, apoiado tão somente no
depoimento, o delegado pediu a prisão do caseiro. Abusos dessa natureza,
lamentavelmente, não são incomuns, como mostrou reportagem recente deste jornal
que analisou cem prisões injustas. Quase metade delas havia decorrido de erros
de reconhecimento.
O caso, porém, viria a ganhar contornos
ainda mais surrealistas. Não só não foram encontradas imagens, testemunhas ou
provas de que o trabalhador conhecesse os criminosos ou houvesse se encontrado
com eles, como Matias da Cruz negou posteriormente a participação de Alves
Filho no crime.
Nada disso foi levado em conta pela
Justiça, e o caseiro acabou condenado, em primeira e segunda instância, a 21
anos de prisão. Essa via crucis, felizmente, foi
encerrada na sexta-feira (2). Após a publicação da reportagem, o ministro
Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou a condenação e expediu o
alvará de soltura de José Aparecido Alves Filho.
Apesar do desfecho favorável ao caseiro,
não cabe falar em final feliz nessa história. Para Alves Filho, são
irreparáveis os sete anos que passou afastado da família, convivendo com
facínoras, nas condições mais degradantes.
Para Judiciário e polícia, o caso constitui um transvio inaceitável, que nega a própria ideia de justiça e compromete sua credibilidade.
Dívida elevada das famílias pode deteriorar
o crédito
Valor Econômico
Inflação elevada e o menor valor do auxílio
emergencial estão pesando no orçamento doméstico
Níveis recordes de endividamento da
população podem conturbar o mercado de crédito em momento em que a recuperação
da economia ainda ocorre em ritmo lento, em cenário de preocupação com a
pandemia, elevação da inflação e tensão política. O quadro pode ficar pior
dependendo da escalada da alta dos juros básicos da economia e seu repasse para
as taxas do crédito. O mercado de trabalho fraco também influencia
negativamente ao limitar a renda disponível para o pagamento das dívidas.
O Banco Central (BC) divulgou que o estoque
de crédito cresceu 1,2% em maio, acumulando 16,1% em 12 meses. O ritmo segue o
padrão de 2020, quando a expansão foi de 15,7%, impulsionada pelas medidas de
afrouxamento patrocinadas pelo governo para aliviar os efeitos da pandemia. As
operações de crédito para a pessoa física cresceram 16,5% nos 12 meses
terminados em maio, na dianteira dos empréstimos para as empresas, que avançaram
15,7%. Algumas linhas direcionadas para as famílias, especialmente as sem
garantia, avançaram mais, como o cartão para pagamento à vista, que teve
aumento de 40,6%; e o crédito pessoal, de 19,1%, ambos em 12 meses.
Apesar de os bancos se declararem otimistas
e animados com o negócio, especialmente com as pessoas físicas, as operações de
crédito devem evoluir menos do que em 2020. As grandes instituições projetam
que as carteiras vão crescer ao redor de 10% (Valor 29/6). O próprio BC
incluiu no Relatório Trimestral de Inflação, divulgado no fim de junho, a
estimativa de aumento de 11,1%. O percentual é superior aos 8% projetados em
março, mas fica abaixo de 2020.
Ao longo dos próximos meses, portanto,
haverá uma desaceleração das operações em comparação com o ritmo atual. Tão
negativo quanto será a inevitável elevação das taxas de juros cobradas em
consequência do repasse do aumento da Selic. Atualmente, o Índice de Custo de
Crédito (ICC) se mantém estável em 17,2% ao ano. Mas a tendência agora é de
alta.
A desaceleração das operações e a elevação
das taxas vai ocorrer em um momento em que as pessoas estão bastante
endividadas. O endividamento das famílias calculado pelo BC bateu novo recorde
em março, chegando a 58%, meio ponto acima do registrado em fevereiro. Já o
comprometimento da renda, que leva em conta a renda mensal em relação aos
pagamentos das parcelas, ficou estável em 30,5%, na comparação com fevereiro.
Os cálculos são feitos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua e, por isso, são divulgados com defasagem.
O Banco Central acompanha o número “com
atenção”, mas não o considera um motivo de preocupação, “diante da solidez do
Sistema Financeiro Nacional”, como disse o chefe do departamento de
estatísticas do BC, Fernando Rocha, ao apresentar o balanço do crédito em maio.
Além disso, a inadimplência segue em níveis baixos e ficou em 2,3% em maio.
A situação das famílias não pode ser vista
com a mesma tranquilidade, porém. A estabilidade da inadimplência é devida em
parte pelas renegociações feitas como parte do afrouxamento inspirado pelo BC
no ano passado.
Pesquisas baseadas em outros critérios
apresentam um quadro mais preocupante. Levantamento da Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que considera como dívidas as
contas em aberto no cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial,
carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, prestação de carro e de
casa, mostrou ao fim do semestre a maior proporção de famílias endividadas em
mais de uma década. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do
Consumidor (Peic), iniciada em 2010, 69,7% de brasileiros tinham dívidas em
junho, um percentual recorde. Na comparação com junho de 2020, quando o total
de endividados somava 67,1%, o avanço foi de 2,5 pontos. Em junho, houve piora
também na inadimplência, pelo segundo mês consecutivo. O porcentual de famílias
com dívidas ou contas em atraso alcançou 25,1%, ante 24,3% em maio. No mês de
junho de 2020, a inadimplência era maior, alcançando 25,4% das famílias.
As fragilidades no mercado de trabalho, a
inflação mais elevada, agora impulsionada pela alta da energia, e o menor valor
do auxílio emergencial estão pesando no orçamento doméstico. Espera-se que, com
a alta dos juros, as famílias cortem os gastos e evitem contratar novas
dívidas. Mas terão que digerir e liquidar os compromissos antigos assumidos.
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