terça-feira, 6 de julho de 2021

Maria Cristina Fernandes - Acusação não derruba Bolsonaro mas enche as ruas

Valor Econômico

Denúncia de impeachment tem que se basear em fatos ocorridos durante o mandato presidencial

O relato de uma ex-cunhada do presidente da República, Andrea Valle, de que ela e um irmão participaram de rachadinhas no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, não pode ser usado num processo de impeachment porque se relaciona a eventos anteriores ao seu mandato como presidente. A história, porém, tem um grande potencial de dano sobre a imagem do presidente porque resulta no envolvimento pessoal de Bolsonaro em ilicitudes, que vão de peculato até organização criminosa.

É esse envolvimento pessoal que a CPI tenta obter com a denúncia do deputado Luis Miranda (DEM-DF) de que Bolsonaro, avisado do esquema montado para a compra da Covaxin, nada fez, ou seja, prevaricou. O apelo popular do caso das rachadinhas é tão evidente que o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), agora quer ouvir a ex-cunhada do presidente. A suspeita de uma “rachadinha espelho” no Executivo como mote para a convocação numa CPI destinada a apurar crimes correlatos à pandemia, no entanto, divide a comissão. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por exemplo, propôs uma outra CPI para apurar a denúncia. Ainda que não possa ser processado pelo eventual crime, Bolsonaro pode ser investigado.

As gravações com o relato de Andrea foram obtidas por Juliana Dal Piva, do UOL, e teriam sido feitas em 2018 e 2019. Andrea é irmã de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do presidente e mãe de seu quarto filho, Jair Renan. No áudio também teria sido revelado que o terceiro dos irmãos, André, foi demitido do cargo no gabinete de Bolsonaro por não devolver a parte combinada do salário para o então parlamentar.

O esquema de “rachadinhas” da família é investigado em inquérito que tem como principal alvo o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ). Instalado pelo Ministério Público do Rio, o caso hoje está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que deve se pronunciar sobre qual instância do Judiciário deve julgar o filho do presidente. O não envolvimento pessoal do presidente em corrupção é, até hoje, o argumento usado por apoiadores que permanecem ao seu lado, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), ou mesmo pelo guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho.

Ainda que não possa municiar um processo de impeachment, a acusação tem potencial de levar mais gente para manifestações de rua contra o presidente justamente num momento em que os protestos enfrentam uma crise deflagrada pela edição do sábado. Além de um público menor, em todo o país, do que aquele de 19 de junho, o protesto enfrentou, em São Paulo, onde foi mais forte, dois revezes.

O primeiro foi o embate entre militantes do Partido da Causa Operária (PCO) e do PSDB, que põe em risco o discurso da frente ampla contra Bolsonaro. O segundo foi o ataque, supostamente por “black blocs”, de uma agência bancária no centro de São Paulo. Os atos de vandalismo - perpetrados por manifestantes ou por infiltrados - são tradicionalmente usados pelo bolsonarismo para desqualificar as manifestações de oposição perante a opinião pública.

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