Valor Econômico
Bolsonaro entra na mira do TSE e do STF no
mês que vem
Os dissabores dos últimos dias sugerem que
o acre mês de agosto pode ter se antecipado para o presidente Jair Bolsonaro.
Ainda faltam 25 dias para o mês que testa os supersticiosos, e acumula
infortúnios na saga política brasileira. Mas a sucessão de notícias
desagradáveis para o presidente indica que os nefastos efeitos da pandemia
podem, quiçá, ter subvertido o calendário e atropelado a ordem dos dias.
Julho começou com jeito de agosto para Bolsonaro. Ontem de manhã seus apoiadores depararam-se com o “mito” de ar desconfiado e cenho franzido na saída do Palácio da Alvorada. Alvo de novos protestos no fim de semana, e com outros convocados para o fim do mês, derretendo nas pesquisas, bombardeado por novas denúncias, e com o líder de seu governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), acuado, Bolsonaro estava lacônico.
Na tradicional conversa matinal com os
apoiadores, em que aproveita para mandar recados, o presidente limitou-se a
comentar um acordo com a Nasa assinado havia 20 dias. Aos apelos para fotos,
posou com um esgar. Indagado sobre o amuo, Bolsonaro culpou o dentista. “Fiz
dois implantes no sábado, tomei antibiótico”, resmungou.
Os últimos dez dias foram de provação ao
chefe do Executivo. No dia 25 de junho, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu
irmão, o servidor da área de importação de insumos do Ministério da Saúde Luis
Ricardo Miranda, denunciaram à CPI da Covid suspeitas de desvios no contrato de
aquisição das vacinas indianas Covaxin.
O parlamentar do Distrito Federal revelou
que ao alertar o presidente da suposta irregularidade, Bolsonaro respondeu que
o deputado Ricardo Barros teria interesse no negócio. Desde então, o líder
governista se viu marchando no cadafalso.
Passados 11 dias, Bolsonaro comentou até
convênio velho com a Nasa, mas não proferiu uma palavra em defesa do aliado.
Nos bastidores, diz-se que o presidente tem receio de que a conversa com
Miranda tenha sido gravada.
Em paralelo, em episódio que concorre com o
realismo fantástico de García Márquez, um cabo da Polícia Militar lotado em
Alfenas (MG), dublê de vendedor de insumos médicos, despontou como delator da
propina de US$ 1 dólar por dose de vacina.
Ele seria comissionado pela venda do
imunizante da AstraZeneca ao Ministério da Saúde, embora o laboratório
anglo-sueco dispense intermediários, porque mantém convênio com o governo, por
meio da Fiocruz que fabrica a vacina em questão.
Na esteira das más notícias, o portal UOL
acrescentou ontem novos elementos às denúncias de que Bolsonaro, quando era
deputado federal, teria obrigado servidores a lhe devolverem um percentual dos
salários.
O assunto não dialoga com a crise
sanitária, mas isso não impediu o relator da CPI da Covid, senador Renan
Calheiros (MDB-AL), de tripudiar. Ele adiantou que convocará a ex-cunhada de
Bolsonaro, que teve áudios comprometedores vazados, para explicar se “houve
espelhamento do esquema das rachadinhas no governo federal”.
O histórico de agosto é sombrio, e a
previsão para o mês que se avizinha não é diferente para Bolsonaro. Na primeira
semana, vence o prazo estipulado pelo corregedor-geral do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ministro Luis Felipe Salomão, para que Bolsonaro apresente as
evidências de fraude nas urnas nas eleições de 2018, como vem apregoando. O
prazo de 15 dias expiraria amanhã, mas devido ao recesso, Bolsonaro ganhou
fôlego.
Em sua decisão, Salomão registrou que a
credibilidade das instituições eleitorais “constitui pressuposto necessário à
preservação da estabilidade democrática e a manutenção da normalidade
constitucional”.
Bolsonaro declarou na sexta-feira que
apresentará provas do que alega “se quiser”. Se não o fizer, haverá sanções: no
limite, a Justiça Eleitoral poderá torná-lo inelegível por atentar contra as
instituições democráticas.
Também em agosto, quando o Supremo Tribunal
Federal (STF) voltará do recesso, a ministra Cármen Lúcia dará andamento ao
mandado de segurança em que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o
deputado federal Rui Falcão (PT-SP) pedem que o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), seja obrigado a, pelo menos, analisar os requisitos formais de
pedido de impeachment apresentado por eles em maio de 2020.
Os petistas alegam que Lira se omite no
cumprimento de um dever inerente ao cargo. “O presidente da Câmara dos
Deputados promove desvio de finalidade nítido, no exercício passivo de
atribuições cogentes vinculadas a funções de desempenho obrigatório. Trata-se
de atitude afrontosa aos atributos do cargo que ocupa, além de constituir um
rematado abuso de poder”.
Há jurisprudência sólida de que o STF não
pode obrigar a Câmara a deflagrar o impeachment. Mas fontes da Corte não
descartam que uma conjuntura política dramática favoreça a análise do pedido
com um novo olhar.
No STF, a ministra Rosa Weber também
impulsionará o inquérito em que Bolsonaro é investigado pela Covaxin.
Agosto entrou para a história do Brasil
como um mês de mau agouro na política. O presidente Getúlio Vargas tirou a
própria vida em 24 de agosto de 1954. O presidente Juscelino Kubitschek morreu
em acidente de carro em 22 de agosto de 1976.
Miguel Arraes, três vezes governador de
Pernambuco, e seu neto, Eduardo Campos, duas vezes governador de Pernambuco,
morreram no dia 13 de agosto. Arraes em 2005, Eduardo, nove anos depois, em um
acidente aéreo.
Eleito com a promessa de varrer a
corrupção, o presidente Jânio Quadros renunciou em 25 de agosto de 1961.
Ameaçado de impeachment, o presidente Fernando Collor apelou aos brasileiros
que saíssem às ruas em sua defesa vestidos de verde e amarelo. No dia 16 de
agosto, a população saiu às ruas vestida de preto. Dez dias depois, a CPI do PC
Farias aprovou o relatório que selou o destino de Collor.
O Senado aprovou o impeachment de Dilma
Rousseff em 31 de agosto de 2016.
Os ares são de agosto, mas ainda estamos a
25 dias do mês oficial dos reveses. Há tempo para o presidente tomar fôlego
para o porvir. Parafraseando Gilberto Gil, todo julho tem o seu agosto azedo,
cedo.
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