Folha de S. Paulo
As iniciativas do procurador-geral e do
ministro contra Conrado Hübner são tentativas de intimidar opositores
No salão principal da Fundação Fernando
Henrique Cardoso, uma parede inteira é ocupada por caricaturas e charges dos
tempos em que o sociólogo foi presidente da República. Todas com críticas
mordazes ao que tenha dito ou feito, algumas ultrapassando a linha do respeito
devido —como convém a essa forma de jornalismo que, a bem da democracia, é
sempre de oposição e, com frequência, desconhece limites.
Nunca o então titular do Planalto recorreu
à Justiça para atar as mãos de um cartunista mais atrevido. Do mesmo modo, o
seu sucessor, Lula, descartou conselhos para que expulsasse o correspondente
Larry Rother, do New York Times, por ter escrito que o petista apreciava um
trago.
Figuras públicas tem de lidar com o escrutínio diário e expressões virulentas de oposição verbal; se forem democratas e cientes de suas funções aceitarão as verrinas, por saber que engolir críticas, além de um ato de grandeza pessoal, é prova de apreço pela liberdade de expressão. Aquele é, no essencial, reconhecimento do direito à opinião da qual se discorda. Não é, definitivamente, o caso do procurador-geral da República, Augusto Aras, tampouco do ministro do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes Marques. Os dois se abespinharam com artigos do colunista desta Folha Conrado Hübner Mendes, professor de direito na USP.
O primeiro requereu que o Conselho
Universitário da instituição acionasse a sua Comissão de Ética para julgar o
que escreveu o acadêmico. Aras ignora ou negligencia o fato de que, em qualquer
universidade que vale o seu sal, as ideias circulam livremente, não cabendo a
nenhum órgão interno cerceá-las, mas, isso sim, assegurar que, na sua
diversidade, fluam sem escolhos. Não satisfeito, o douto procurador também foi
aos tribunais contra o professor. Há pouco, numa espécie de ciranda, Nunes
Marques, do STF, pediu ao procurador que abrisse investigação criminal de igual
teor.
Fossem outros os tempos, as iniciativas da dupla seriam apenas medida do despreparo compartilhado para a vida pública. Aqui e agora, preocupam. Por serem unha e carne de um governo avesso aos valores democráticos e à garantia das liberdades individuais, procurador e ministro tornam-se, de fato, agentes de intimidação de opositores. E suas iniciativas, lances de uma operação que visa tolher o espaço das liberdades e ferir a democracia. Por enquanto, sem sucesso: as investidas dos saudosos da ditadura têm sido freadas pela vitalidade da sociedade organizada; da imprensa que dá espaço aos opositores; do zelo do STF e, a seu modo, do Congresso. Mais uma vez, em suma, a prontidão do país para resistir ao pior é posta à prova.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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