Correio Braziliense
Goebbels dizia que uma
mentira repetida mil vezes vira verdade, o que parece ser uma máxima da
política de comunicação de Bolsonaro nas redes sociais
Um episódio emblemático demonstra que o
governo Bolsonaro passará a ter duas políticas, que podem se antagonizar no
decorrer do processo. No mesmo dia em que o novo ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira (PP-PI), sentava na cadeira de ministro, a Secretaria de Comunicação
da Presidência divulgou nas redes sociais uma mensagem comemorativa do Dia do
Agricultor, com uma foto de um homem armado com um rifle, em vez das
tradicionais imagens de agricultores exibindo as mãos calejadas, suas
ferramentas de trabalho ou mesmo um trator. Diante da repercussão negativa, a
nota foi substituída por uma tabela com indicadores de invasões de
terra. Para bom entendedor, foi um recado subliminar de que a paz no campo
seria obtida fazendo justiça pelas próprias mãos.
Sabe-se que Bolsonaro governa com um grupo de generais de sua confiança — Luiz Ramos, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência; Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e o general Braga Netto, ministro da Defesa — e o clã formado com os filhos Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e Carlos (vereador), o verdadeiro responsável pela política de comunicação do governo e operador das redes sociais de Bolsonaro. Foi dele, provavelmente, a ideia de publicar a foto. Como em outros momentos do governo, toda vez que Bolsonaro se afasta da narrativa de sua campanha eleitoral, como agora, ao empoderar o Centrão no Palácio do Planalto, logo surge alguma coisa que sinaliza para a base bolsonarista que o presidente não abandonou seus compromissos de extrema-direita.
Político profissional habilidoso, Ciro
Nogueira não é ingênuo e sabe muito bem o que vai enfrentar na Casa Civil para
mudar o eixo de atuação do governo. Trata-se de abandonar a radicalização
e o confronto com os demais Poderes e optar por uma política de formação de
maioria no Congresso e reaproximação com os eleitores que se afastaram de
Bolsonaro, por causa do seu radicalismo e do mau desempenho do governo. Sua
presença na Casa Civil não terá nenhum sentido se tudo continuar como antes.
Bolsonaro até tentou retroceder do convite, mas não lhe foi possível, porque
seria uma desfeita com Nogueira e o PP oferecer-lhe outra pasta de menor
importância. Políticos profissionais não são como generais que aceitam ordem
unida, tudo tem algum tipo de barganha.
O novo ministro da Casa Civil, porém,
precisa fazer uma demonstração de força política. Até agora, seu maior trunfo é
o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A oportunidade para isso
será a cerimônia de posse no cargo, prevista para o próximo dia 3, à qual
pretende convidar os velhos caciques do PP remanescentes da antiga Arena e do
PSD, como Delfim Neto e Francisco Dorneles, e seus aliados dos demais partidos
do Centrão. Nos bastidores no Senado, o Palácio do Planalto tenta se
reaproximar da maioria da bancada do MDB, que tem dois líderes de governo, o do
Senado, Fernando Bezerra (PE), e o do Congresso, Eduardo Gomes (TO). A ideia é
forçar uma reunião para desautorizar o líder, Eduardo Braga (AM), e o relator da
CPI da Covid, senador Renan Calheiros (AL). Não é da tradição da legenda
confrontos dessa ordem, porque o MDB é uma confederação de caciques regionais,
que convivem na divergência, uns na oposição e outros na base do governo.
Verdades e mentiras
A maior demonstração de que há uma dualidade de políticas no Palácio do
Planalto foi dada pelo próprio presidente Bolsonaro, que voltou a
responsabilizar o Supremo Tribunal Federal (STF) pela desastrosa atuação do
Ministério da Saúde, ao afirmar que uma decisão da Corte impediu que o governo
combatesse a pandemia. A resposta do STF foi inédita e pelas redes sociais, o
que assinala uma mudança de postura.
Seu presidente, ministro Luiz Fux, mandou
divulgar um vídeo no qual parafraseou o chefe de propaganda do regime nazista
de Adolf Hitler, Joseph Goebbels: “Uma mentira repetida mil vezes vira verdade?
Não. É falso que o Supremo tenha tirado poderes do presidente da República de
atuar na pandemia. É verdadeiro que o STF decidiu que União, estados e
prefeituras tinham que atuar juntos, com medidas para proteger a população. Não
espalhe fake news! Compartilhe as #Verdades- doSTF”. Goebbels dizia que uma
mentira repetida mil vezes vira verdade, o que parece ser uma máxima da
política de comunicação de Bolsonaro nas redes sociais.
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