Folha de S. Paulo
Ao chamar a imprensa de inimiga, Bolsonaro
alimenta a hostilidade da militância
Jair Bolsonaro costuma atacar o que exige
dele ética e transparência —medidas sanitárias, o regime democrático, mas
principalmente a imprensa.
Nesta semana, ele entrou para a lista dos "predadores da liberdade", organizada pela Repórteres Sem Fronteiras, da qual fazem parte o venezuelano Nicolás Maduro, o cubano Miguel Díaz-Canel, o chinês Xi Jinping e o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, suspeito de ordenar o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018.
Segundo a organização, foram 87 ataques de Bolsonaro à imprensa só no primeiro semestre de 2021 —crescimento de 74% em relação ao mesmo período do ano passado. O papel da imprensa é informar, contextualizar, fiscalizar e analisar os acontecimentos de interesse público. É normal que políticos rebatam, critiquem e se incomodem com essa fiscalização. Mas Bolsonaro não joga no campo das ideias. Incapaz de discutir com os fatos, ele parte pra cima dos jornalistas.
Os ataques são parte truculência inata e
parte cálculo. Ao chamar a imprensa de inimiga, Bolsonaro intoxica o debate e
alimenta a hostilidade da militância. É só notar a escalada de ameaças aos
alvos preferidos do presidente, as mulheres. Nesta semana, a âncora da CNN
Daniela Lima chegou a receber ameaças de morte porque uma notícia falsa dizia
que ela tinha celebrado a depredação da estátua do Borba Gato, em São Paulo.
Ao transgredir reiteradamente as regras não escritas da democracia, como incitar a violência contra repórteres, Bolsonaro dilui a ideia de liberdade de imprensa. O acosso judicial do ministro Kassio Nunes, do Supremo Tribunal Federal, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra Conrado Hübner, colunista da Folha, é exemplo disso. Em vez de responderem aos argumentos do jurista, que os critica pela excessiva fidelidade ao governo, o ministro e o procurador agem tal qual o chefe: brigam com o mensageiro por não poderem desmentir a mensagem.
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