Folha de S. Paulo
Está vendo aqueles três sujeitos? Estão
vendendo 400 milhões de doses de vacina a Bolsonaro
Na madrugada de 25 de abril de 1974, a ditadura portuguesa, de matiz fascista, velha de 48 anos e sustentando uma guerra colonial perdida, roncava em seus palácios enquanto tropas do Exército, comandadas por um grupo de capitães e majores, entravam em Lisboa para derrubá-la. O cérebro da operação era o major Otelo Saraiva de Carvalho, 37 anos. Em 12 horas, como ele previra, o regime caiu —era a Revolução dos Cravos. Pela década seguinte, Otelo, são ou não, com ou contra seus camaradas, não se concedeu descanso. Sua morte, no dia 25, aos 84 anos, lhe trouxe a paz.
Morei a trabalho em Lisboa de 1973 a 1975,
antes, durante e depois dos Cravos. Nunca falei com Otelo, mas não é impossível
que, sem querer, eu tenha estado ao seu lado em conspirações para o 25 de
abril. O cenário era o Apolo 70, uma galeria comercial composta de restaurante,
farmácia, livraria, boliche etc. --mais família, impossível. E um cinema que,
em 1973, exibiu um festival Fred Astaire-Ginger Rogers às sextas à meia-noite.
Eu chegava cedo, comprava o ingresso e ia fazer hora no snack bar do subsolo.
Pois, numa entrevista, Otelo disse que,
naquele ano, usou várias vezes o snack bar do Apolo nas noites de sexta para
encontrar seus companheiros de conjura, todos à paisana, claro. Como foram dez
filmes e dez sextas de Fred-Ginger, quem garante que, em algumas, eu não fosse
vizinho de mesa de um sujeito de cabelo curtinho e já grisalho tramando com os
colegas a tomada de quartéis?
Bem, se aconteceu, não percebi, nem podia
—ninguém então conhecia Otelo. Mas isso me alerta para o fato de que, às vezes,
a história pode estar a um centímetro de nossos cotovelos.
Imagine-se num restaurante de Rio, São Paulo ou Brasília. Na mesa ao lado, um milico, um reverendo e um cabo da polícia. Não olhe agora, mas eles estão vendendo 400 milhões de doses de vacina para o governo Bolsonaro.
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