O Estado de S. Paulo
O Centrão tem a chave do cofre, do palácio
e do destino de um candidato
A terceira via está aí: é Bolsonaro como
candidato do Centrão. Os caciques dessa massa amorfa fisiológica, oportunista e
que vive (desde sempre) mamando nas tetas do Estado jamais tiveram tanto poder.
Possuíam a chave do cofre desde as emendas do relator. Agora obtiveram também a
chave do palácio e um nome no qual parte importante dos caciques partidários
confia para manter o atual continuísmo.
Bolsonaro vai continuar vociferando impropriedades, estupidezes e bravatas para manter seu núcleo duro de apoio (que diminuiu consideravelmente nos últimos dois anos). É da natureza dele e fútil esperar qualquer alteração – no máximo uma moderação de estilo dependendo do momento de maior ou menor desequilíbrio pessoal. Trata-se de um irrecuperável personagem político.
Para o Centrão não é Lula que surge como
peso “contrário” a ser oferecido contra Bolsonaro. Mas, sim, um Bolsonaro
domado, controlado e dedicado a atender as plateias do clientelismo por meio do
qual sobrevive o Centrão (entendido como as forças políticas sempre próximas
aos cofres e máquinas públicas). Em outras palavras, a alternativa entre o
Bolsonaro que se conhece e o Lula que se conhece é o Bolsonaro do Centrão.
As principais agendas de Bolsonaro – se é que existiram de forma articulada – foram diluídas em pontos de interesse do Centrão. Uma das mais destacadas, a política econômica de Guedes, que os mercados já não ouvem (foi substituído pelo presidente do Banco Central), tem como eixo central hoje montar programas assistenciais e emergenciais que atendem ,obviamente, a necessidades humanitárias – mas de natureza claramente eleitoreira.
Com o Centrão agora dono do palácio via
Casa Civil, completou-se a eliminação das três âncoras de Bolsonaro do começo
do mandato – anticorrupção, agenda econômica “liberal” e eficiência
administrativa e sentido estratégico através de oficiais-generais das Forças
Armadas. É importante notar que Bolsonaro contribuiu ele mesmo para derrotar,
dissolver e desmoralizar o que teriam sido “núcleos” de direção, e o Centrão
está aí para demonstrar, mais uma vez, que não existem vácuos de poder em
política.
A bem-sucedida operação do Centrão em tomar
espaço dos militares é relevante também por evidenciar o blefe bolsonarista ao
flertar com golpe contra o STF e
o TSE, assumindo que o
“mito” teria apoio de instâncias como o Alto Comando do Exército. Em conversas
entre si, mas também com interlocutores de fora da instituição, oficiais em
posições de comando referem-se a Bolsonaro com desprezo intelectual, repulsa
pessoal e não enxergam qualquer espaço para um golpe – embora também reiterem
fortíssimas críticas aos integrantes do STF e ao desequilíbrio entre os
poderes, deformação atribuída por eles ao Judiciário.
Há entre os principais comandantes uma
noção difusa, mas que está ganhando corpo, no sentido de reconhecer que o
envolvimento em política teria começado de forma meramente “pontual” (como
bloquear ações do STF em favor de Lula em 2018), mas, sob Bolsonaro, chegou ao
ponto do intolerável. Eles também (os comandantes) se ressentem da ausência de
“lideranças” entre seus quadros, uma qualidade que não reconhecem na figura do
general Braga Netto,
o ministro da Defesa e seu “chefe” direto.
No episódio da bravata de Braga Netto sobre
impedir eleições, “note que ele falou sozinho e, embora acompanhado dos três
comandantes militares, eles nada disseram”, ressalta um oficial que detém
comando relevante. Seja como for, outro “sentimento” (ainda difuso) entre o
generalato é o de que está chegando a hora de “lavar as mãos”, e considera-se
vantajosa nesse sentido a oportunidade oferecida pelo Centrão ao apadrinhar
Bolsonaro. “É ridículo general distribuindo verba para deputado fisiológico”,
arrematou a mesma fonte.
Até aqui Bolsonaro desmentiu todos os
cálculos políticos que apontavam para o que seria “racionalmente” mais
vantajoso para ele – nem governou, nem juntou os elementos decisivos para
qualquer tipo de golpe. Ou seja, é o maior inimigo de si mesmo. Deve-se
reconhecer que os profissionais da política no Centrão são mestres em
sobrevivência e a aposta em Bolsonaro terceira via resulta de cálculo político
frio, brutal e cínico. Mas é arriscadíssima.
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