Blog do Noblat / Metrópoles
O debate atual sobre o financiamento do
Auxílio Brasil é mais um exemplo de corrupção da bondade
As atas das sessões no Parlamento durante
os debates da Lei Áurea mostram escravocratas argumentando contra a Abolição,
porque os escravos livres ficariam desamparados e morreriam de fome. Isto é
corrupção da bondade. Defender aos pobres fazendo mal a eles. Este caso extremo
foi repetido ao longo de décadas na política brasileira. Não defenderam a
Abolição com distribuição terra aos ex-escravos, defendiam manter a escravidão
para proteger aos escravizados.
Esta tem sido uma prática comum da minoria privilegiada brasileira ao defender propostas que lhes interessem, argumentando a favor dos pobres. Além da corrupção no comportamento, que rouba dinheiro público, temos a corrupção da ostentação, a corrupção dos privilégios, a corrupção nas prioridades e corrupção das bondades falsas. O BNH foi criado com o argumento de dar habitação aos pobres, mas serviu para financiar o lucro de empreiteiras, e construir as mansões e apartamentos que caracterizam as moradias das classes médias e altas brasileiras. O sistema nacional de habitação deixou pobres sem água, saneamento e os privilegiados com bons apartamentos financiados com empréstimos subsidiados, construídos por pedreiros recebendo míseros salários e continuarão sem casa, água nem saneamento.
O debate atual sobre o financiamento do
Auxílio Brasil é outro exemplo de corrupção da bondade: em nome de atender o
povo pobre, que passa fome, e precisa do auxilio, provavelmente vai fazer a
maldade de trazer de volta a inflação, que sacrificará sobretudo a população
pobre..
Por décadas os dirigente brasileiros
aliaram o populismo mais desbragado dos políticos com o keynesianismo de
economistas que não souberam adapta-lo às características do Brasil. O
resultado foram décadas de uso da inflação para financiar projetos
megalomaníacos, mordomias desavergonhadas, privilégios aristocráticos,
subsídios à ineficiência, concentração da renda. Além de criar e consolidar a
cultura de recursos ilimitados do Tesouro, capaz de financiar o luxo e dar
ajudas a quem vive no luxo, tudo financiado pela inflação que aumenta as
receitas nominais dos governos fazendo circular moeda desvalorizada, espécie de
cheque com quase fundo.
O Auxílio Brasil aos pobres não deve ser
adiado, mas deve ser financiado com recursos dos que não são pobres. Sem risco
da inflação que paga com uma mão e tira com a outra.
O povo precisa e tem direito a receber uma
renda que lhe permita sobreviver com dignidade. Esta renda exige muito mais do
que os míseros R$400,00 que estão oferecendo, mas em moeda estável, sem
inflação. E o Brasil, com um PIB e uma Receita Pública que permite financiar
este auxílio. Desde que se toque no exagerado custo dos subsídios a setores
ineficientes, se elimine privilégios financiados com recursos públicos,
cancele-se o fundo partidário, as emendas parlamentares, os precatórios,
reduzam o custo monumental do Estado, especialmente Legislativo e Judiciário.
Mas no lugar de tirar de quem tem para auxiliar quem não tem, prefere-se romper
o Teto para repetir as antigas equações populistas e gastar mais do que dispõe,
com empréstimos ou emissão de moeda deixando ao povo a conta da inflação.
Bolsonaro aplica para as finanças a mesma
visão negacionista com que enfrentou o covid, agora enfrenta o deficit. Para
ele, com o apoio do Guedes, furar o teto é um arranhãosinho. A consequência
poderá ser muito mais do que uma gripezinha fiscal: um epidemia monetária
chamada inflação.
*Cristovam Buarque foi governador, senador e ministro
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