O Globo
O governo terminou a semana com o
presidente Bolsonaro acusado de nove crimes, e o Ministério da Economia com um
desfalque de parte da equipe. Os dois eventos estão ligados. Bolsonaro, acuado
pela CPI e pela perda de popularidade, anunciou elevação do benefício social,
ainda inexistente, mas para isso foi preciso atropelar as regras fiscais. A
reação foi a saída de quatro secretários da equipe econômica. Depois disso, o
presidente visitou o Ministério da Economia, disse que o ministro tem sua
confiança, e Paulo Guedes ficou no cargo.
A confusão feita pelo governo nos últimos
dias vai impactar o país por muitos anos. Os juros vão subir mais para
compensar a incerteza da política fiscal. O país crescerá pouco no ano que vem
e os economistas já falam em estagflação. Enquanto isso o mundo estará
crescendo forte.
– O mundo vai crescer 4,9% em 2022, será
uma das maiores distâncias entre o Brasil e o mundo em quatro décadas — diz o
economista-chefe de um dos maiores bancos do país.
Os mais otimistas estão prevendo que o PIB brasileiro suba 1%. Mas muitos economistas de bancos e consultorias estão reduzindo para números próximos de zero.
Fazer o orçamento será um exercício de
adivinhação depois da mudança feita essa semana. O teto de gastos será
corrigido pelo índice de janeiro a dezembro, em vez de ser pela inflação de
doze meses até junho. Ou seja, o orçamento será enviado ao Congresso sem que se
saiba a inflação do ano e, portanto, sem o valor do teto de gastos. Será votado
também sem a definição do valor do teto. Só em janeiro do ano em que o
Orçamento estará sendo executado é que se saberá qual foi a inflação de janeiro
e dezembro.
–O espaço do teto era corrigido pelo IPCA
de 12 meses acumulado até junho. Por que? Porque o orçamento precisa ser
enviado em 31 de agosto ao Congresso com a previsão de despesas dentro do teto.
A Secretaria de Orçamento precisa desses números e de tempo para preparar.
Fizeram isso por conveniência, porque agora há um ganho — explicou uma fonte
que já preparou as contas para o orçamento.
Outra consequência dos eventos dessa
semana, e que se estenderá para os próximos anos, é a mudança nos precatórios.
São dívidas que tramitaram na Justiça. Não são meteoros, ao contrário do que
disse Guedes. A solução poderia ter sido outra, que não a de dar um calote em
parte dos credores.
—É falacioso o argumento de que não há como
pagar os precatórios. O governo não soube gerenciar o problema. Uma das maiores
dívidas era com o Fundef, que poderia ter tido uma boa negociação. Havia um
erro da AGU de R$ 30 bilhões e o governo foi alertado sobre isso bem antes.
Bastava negociar com os estados. Nada foi feito porque os “beneficiários” seriam
governos da oposição — explicou um ex-integrante do governo.
Por onde se olhe há gambiarras e casuísmos.
O governo deixará de pagar dívidas que poderia ter negociado e vai criar uma
dívida paralela, para ser paga em 10 anos, e que pode virar uma bola de neve. A
mudança do prazo do índice que corrige o teto de gastos é uma manobra
oportunista. Até meses atrás, o governo comemorava o descasamento dos índices
porque haveria uma folga fiscal. E é isso que Paulo Guedes disse que havia “R$
30 bi a R$ 40 bi que eram nossos e sumiram”. Se a inflação caísse fortemente no
segundo semestre, o teto seria corrigido pela inflação de 12 meses até junho e,
então, as despesas subiriam menos porque o INPC seria menor. Só que a realidade
não respeitou as previsões e a inflação subiu nesse segundo semestre comendo a
“folga fiscal”. Será mudada a periodicidade do índice que corrige o teto porque
agora dá vantagem ao governo. Mas isso vai criar um problema permanente na
formulação do orçamento.
E tudo isso foi feito para ajudar os
pobres? Não. Tudo isso é feito para parecer que está ajudando os pobres, mas
para garantir na prática que continuam altas as emendas parlamentares
inventadas no governo Bolsonaro, e conhecidas com o nome de RP9. E, desta
forma, o governo possa continuar comprando apoio no Congresso.
Foi uma semana de mentiras, desrespeito às
leis fiscais e muita demagogia para tentar desviar a atenção do fato de que o
presidente Jair Bolsonaro foi acusado de cometer nove crimes, entre eles o
crime contra a humanidade.
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