Folha de S. Paulo
Mesmo se a chapa não sair, é de uma solução
com esse espírito que o Brasil precisa
Na última semana, Mônica Bergamo noticiou
que Lula e
Geraldo Alckmin discutem a formação de uma chapa para disputar
a Presidência da República em 2022.
Sou a favor, mas tenho dúvidas se é
possível. Talvez nós, como país, não tenhamos mais o nível de inteligência
coletiva, senso de responsabilidade e caráter necessários para fazer algo
assim.
É fácil imaginar uma chapa Lula-Alckmin
entrando em curto-circuito porque as respectivas militâncias vão repetir os
mesmos clichês cansados uns contra os outros, porque algum idiota como Sergio Moro vai
entrar em cena dizendo: "Ó lá os políticos profissionais corruptos, não
são como o Onyx que me pediu desculpas", ou porque a elite brasileira
gosta dessa degeneração pestífera que é o Brasil de Bolsonaro.
De qualquer jeito, ao menos como exercício, vou explicar por que eu acho que a chapa Lula/Alckmin seria uma boa ideia.
Seria uma oportunidade de fazer o que Marina
Silva chamou de "integração de legados", uma proposta
de retomada do Brasil a partir do que deu certo desde a redemocratização nos
diferentes governos.
Não é só juntar o ajuste macroeconômico do
PSDB com a redistribuição de renda do PT, seria questão de atualizar cada uma
dessas propostas para o momento atual. Seguem alguns exemplos de acordos que um
governo Lula/Alckmin poderia costurar.
Como todo mundo menos a mula do Guedes
sabe, a melhor proposta de reforma tributária é a de Bernard Appy, um raro
ex-membro da equipe de Palocci que já era próximo do PT antes de 2002 e hoje
está mais próximo dos liberais.
Appy foi o economista "ortodoxo" mais
importante a declarar voto em Haddad no segundo turno de 2018. Sua proposta é
especialmente favorável ao setor industrial, que todos concordamos que precisa
ser recuperado. Se tivessem vencido 2018, tanto Alckmin quanto Haddad teriam
bancado o projeto de Appy.
Nem PT nem PSDB conseguiram tributar os
ricos. Hoje o consenso sobre a necessidade de fazê-lo é mais consolidado do que
jamais foi. Pode ser feito.
O maior celeiro brasileiro de
"terceiras-vias", a centro-esquerda nordestina
(Tasso-Ciro-Camilo no Ceará, PSB em Pernambuco, Dino no Maranhão) fez um belo
trabalho na área de educação nas últimas décadas. Em um debate recente, a
potencial ministra Tábata Amaral propôs o programa "educação básica como a
de Sobral, ensino médio como o de Pernambuco". Dá pra fazer.
Bolsonaro e Guedes já mataram o teto do
Temer, mas deve dar pra bolar um limite de gastos razoável. É bom lembrar que o
primeiro projeto desse tipo foi do petista
Nelson Barbosa.
Se a esquerda tem que encarar de frente o
problema fiscal, os liberais precisam bolar um projeto para o mundo do trabalho
que não seja só desregulamentação.
Não vejo por que não existiriam acordos
possíveis com os sindicatos sobre qualificação profissional, recolocação ou a
dinamização de setores que geram "bons empregos". No longo prazo, a sindicalização
é a melhor maneira de tornar a regulamentação estatal desnecessária.
Um governo Lula/Alckmin não precisaria ser
um governo de imobilismo por ser centrista: transformações profundas podem ser
negociadas. Mesmo se a chapa não sair, é de uma solução com esse espírito que o
Brasil precisa para voltar, não ao que era, mas ao caminho para o que queremos
que seja.
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