Folha de S. Paulo
O único país a ter promotores públicos
eleitos são os EUA; e a experiência não é boa
Agentes públicos não eleitos (como
procuradores e juízes) são frequentemente acusados de não serem
responsabilizáveis porque não são eleitos. O que sugere que seria desejável que
o fossem. Segundo o Oxford
Handbook of Prosecutors and Prosecution (2021), o único país a
ter procuradores/promotores públicos eleitos são os EUA. E a experiência não é
boa. O que deveria frustrar os defensores de eleições como forma de
contrarrestar a notável expansão recente do poder do ministério público nas
democracias atuais.
Nos EUA, em 2017, segundo Carissa Hessik (UNC) e M. Morse (Harvard), em artigo recente, 95% dos procuradores (a nomenclatura varia: district attorneys, prosecuting attorneys etc.) são eleitos em primárias e eleições gerais. As exceções são Alasca, Connecticut, Delaware e New Jersey. Apenas os procuradores gerais (AG) dos estados não são eleitos, mas indicados pelo Executivo e confirmados pelo Legislativo. As eleições são partidárias (exceto em cinco estados): os candidatos brandem sua filiação partidária.
Esse partidarismo contrasta com a ampla
despartidarização das eleições locais/municipais nos EUA: 2/3 delas são não
partidárias. O que vale até para 58% das cidades com mais de 500 mil
habitantes.
Os autores mostram que 95% dos incumbentes ganham as eleições. Apenas em 15%
das eleições houve opositores, e nelas os incumbentes ganharam em 2/3. Os
titulares dos cargos, portanto, "assumem e só saem quando querem". A
mediana de permanência é de 7 anos; cerca de 15% passa mais de 20 anos.
"A responsabilização é pífia",
concluem. Comparando os dois modelos (eleições x nomeação) argumentam que
"o modelo de nomeação tem problemas potenciais de patronagem e falta de
accountability. Mas eleição sem concorrência é o pior dos dois mundos".
Além disso, como argumenta Russel Gold, no
Handbook citado, há uma estrutura de incentivos perversa: o Legislativo e
procuradores respondem aos mesmos incentivos eleitorais e o equilíbrio
resultante é uma escalada punitivista. Nas grandes cidades —onde há competição
eleitoral— o resultado é a superpolitização, que mina a responsabilização.
No modelo europeu continental de MP
busca-se seu insulamento político (e.g concursos públicos ao invés de
nomeações) e controles horizontais e verticais (conselhos), envolvendo o
Judiciário. Nada mais afastado deste modelo do que a idéia de um controle
majoritário, eleitoral, de atividades ultraespecializadas que são por natureza
contramajoritárias. E muito menos que um polo do processo (os acusados) detenha
a prerrogativa de controlar seus próprios acusadores.
Entre nós o déficit de responsabilização é
sistêmico; não está no modelo.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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