Valor Econômico
Campanha antecipada incentiva debate de
propostas
Na semana passada, enquanto o teto desabava
com as manobras para a aprovação da PEC dos precatórios, tivemos um ensaio do
que poderá ser o debate eleitoral a respeito de propostas econômicas para tirar
o país do buraco a partir de 2023. Na segunda (01/11), em conversa transmitida
pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), o
ex-ministro Guido Mantega e o professor da Unicamp Guilherme Mello discutiram o
“Passado, Presente e Futuro” da economia brasileira. No dia seguinte, o
presidenciável Ciro Gomes condenou o tripé macroeconômico em artigo crítico à
visão de Armínio Fraga na Folha de S.Paulo - e teve tréplica. Já na sexta,
especulações sobre a presença de Persio Arida na equipe de Sergio Moro, ainda
que posteriormente desmentidas, animaram o mercado.
A vantagem de a campanha presidencial já
estar na rua faltando ainda onze meses para o primeiro turno é a possibilidade
de analisarmos com calma as propostas de cada pré-candidato. E já existem
planos concretos na mesa.
O retorno de Guido Mantega à esfera pública depois de um longo afastamento chama a atenção por ressuscitar velhas ideias da famosa “Nova Matriz Econômica”. Comparando a pandemia à situação enfrentada pelo governo petista em resposta à crise financeira de 2008, Mantega defendeu a reedição do uso dos bancos públicos para estimular o crédito e a recapitalização do BNDES, a utilização do poder de compra da Petrobras e grandes projetos de infraestrutura governamentais para ampliar o investimento produtivo, além de políticas de distribuição de renda e de valorização real do salário-mínimo.
Antes que se argumente que Mantega poderia
estar se referindo à sua gestão, e não a propostas para um eventual novo
governo de Lula, é bom ficar claro que todos esses itens estão presentes no
“Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”, documento de 210 páginas
lançado pelo PT em setembro de 2020 para servir de base para a construção de
uma frente ampla de esquerda em 2022.
Dividido em duas partes, uma com medidas
emergenciais de combate aos efeitos da pandemia e outro estrutural, para
“reconstruir as bases do desenvolvimento inclusivo, social e ambientalmente
responsável”, a proposta do PT prevê não apenas “a revogação da EC 95, que
impôs uma ortodoxia fiscal permanente com um teto declinante nos gastos
públicos por vinte anos; mas também a modulação do resultado primário e da
regra de ouro” (p. 175). Embora reconheça a necessidade de o governo apresentar
“metas fiscais factíveis, que sinalizem um compromisso de longo prazo com a
estabilização de dívida” (p. 177), não se apresenta qualquer medida concreta
que seja colocada no lugar do teto como âncora fiscal.
Muitos argumentam que as ideias de Mantega
e de Guilherme Mello (co-autor da parte econômica do documento, ao lado de Aloizio
Mercadante) não representam as diretrizes de um possível governo Lula 3, que
seria bem mais moderado. Ora, se for assim, em nome da transparência, seria
recomendável que o líder petista apresentasse seu projeto real para a economia,
caso ele difira do receituário atual do partido.
Rebatendo coluna do ex-presidente do Banco
Central Armínio Fraga, o pré-candidato Ciro Gomes (PDT) culpa o tripé
macroeconômico (geração de superávits primários, sistema de metas de inflação e
câmbio flutuante) por ser “causa importante do nosso desastre”. Nas suas
palavras, “não é admissível que a forma de conseguir equilíbrio fiscal seja
proibir o país de crescer, como prega o atual modelo”.
Quem leu “Projeto nacional: o dever da
esperança”, conjunto de propostas para o país caso seja eleito em 2022, não se
surpreendeu com a crítica de Ciro a Armínio. Também lançado no ano passado, o
livro contém uma série de medidas heterodoxas para a economia, como o uso de
parte das reservas internacionais como linha de crédito para capitalizar as
empresas brasileiras (p. 130) e baixar na marra a taxa Selic e redefinir a
política de emissão de títulos públicos para reduzir o custo do serviço da
dívida (pp. 139-140) e, assim, recuperar a capacidade de investimento público e
destravar o crescimento econômico.
Mas nem só de heterodoxia e populismo
econômico são feitas as propostas do PT e de Ciro. Ambas as publicações trazem,
por exemplo, a necessidade de se rever os generosos programas de incentivos e
isenções fiscais criados nos últimos anos e que sangram anualmente em torno de
4% do PIB.
No campo da reforma tributária, parece
haver consenso em torno de uma simplificação dos tributos sobre o consumo nos
moldes da PEC 45/2019 (“proposta Appy”), bem como no objetivo de se atingir uma
maior progressividade na tributação da renda, com o fim da isenção à
distribuição de lucros e dividendos, e também do patrimônio. Ciro ainda defende
uma nova rodada de reforma da Previdência, com a inclusão dos militares no
sistema geral e a ampliação do regime de capitalização, com contribuição
patronal.
O frenesi causado pela suposta participação
de Arida na campanha de Moro demonstra a expectativa pela apresentação de um
programa realista e coerente de recuperação econômica. A própria postura de
Armínio, que na sua tréplica se colocou à disposição de Ciro e demais
candidatos para incluir a dimensão do combate às desigualdades no tripé
macroeconômico, indica que há disposição para construí-lo, porém...
Enquanto a esquerda coloca na mesa as suas
ideias para a economia, a centro-direita que se quer apresentar como terceira
via perde tempo ainda discutindo nomes. Organizado pelo Valor e pelo jornal O
Globo, o debate entre João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio para as
prévias do PSDB frustrou quem esperava a exposição de medidas concretas para a
superação da crise econômica e social vivida pelo país.
A gravidade da conjuntura e o cenário
sombrio para os próximos anos não permitem que os pré-candidatos tucanos se
limitem a repetir expressões vazias como “necessidade de ajuste fiscal”,
“reforma tributária e administrativa” e “privatização” sem indicar como o
farão. Perdidos em obviedades, estão perdendo uma grande chance de mostrar a
que vieram.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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