segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Denis Lerrer Rosenfield* - O tour de Lula

O Estado de S. Paulo

Ex-presidente insiste em que se dirige aos progressistas. O que isso significa? Apoio aos ditadores, aos que destroem a democracia, aos liberticidas?

O ex-presidente Lula é o mais bem situado candidato a presidente da República, segundo vários institutos de pesquisa. Logo, cabe explorar com mais vagar o que pensa caso volte a exercer a função de mandatário máximo de nosso país. Considerando que tem jogado parado, evitando dar declarações ou assumir compromissos, aproveitando-se dos erros de seu principal adversário, cabe verificar o que fez e disse em seu tour europeu. Temos, aqui, um bom itinerário de suas ideias.

Em seu discurso, repetidas vezes reitera que pretende “recuperar” ou “devolver” a democracia a nosso país. Uma pessoa, por pouco curiosa que seja, poderia se perguntar o que pretende dizer com isso. O candidato e o seu partido têm demonstrado um compromisso inarredável com as ditaduras cubana e nicaraguense, para não falar da Venezuela. Eleições fraudadas, assassinatos e prisões de opositores, cárceres em condições insalubres, inclusive com tortura, e assim por diante. Povos famintos, sem remédios e vacinas adequadas e sem nenhum direito de manifestação. Eis a democracia que Lula pretende instalar no País, neste seu esforço incansável de “recuperação” e “desenvolvimento” democráticos?

Aliás, quando presidente, regozijava-se de visitar, apoiar e elogiar ditadores africanos, em nome, evidentemente, da irmandade do “Terceiro Mundo”, enquanto os povos lá oprimidos viviam na penúria, na repressão mais brutal e na ausência de liberdades. O Brasil, desculpem dizer uma banalidade, tem eleições nas melhores condições de lisura e transparência, de tal modo que mesmo um governante de extrema direita deve abandonar o poder caso perca o voto de seus cidadãos. É isso possível nos países onde imperam férreas ditaduras de esquerda? Há alternância de poder?

Como não poderia deixar de ser, comprouve-se com seu discurso habitual contra as elites que o teriam posto na prisão. Quais elites? Não dá literalmente para entender, pois foi a elite do Judiciário brasileiro, isto é, o Supremo Tribunal Federal (STF), que o “libertou” após uma série de malabarismos jurídicos, começando por reafirmar a regra do “juiz natural”, que o mesmo Supremo havia inúmeras vezes dito não se aplicar ao caso em questão. Num dia, certamente milagroso, decidiu rever tudo o que tinha sido feito nas diferentes instâncias do Judiciário, numa desconsideração para com este.

Querer, agora, atribuir ao ex-juiz Sergio Moro, candidato presidencial, a responsabilidade maior de uma suposta parcialidade é uma impostura. Todas as suas decisões foram referendadas pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), um dos mais sérios tribunais do País, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo próprio STF. Lula não foi inocentado, as provas são abundantes e, infelizmente, devemos admitir que o crime compensa em nosso país, sobretudo para os poderosos, não para o cidadão comum. O dito fica pelo não dito, com direito a reconhecimento no Parlamento Europeu, onde Lula foi recebido por dignitários importantes.

Observe-se que fotografou, sorridente, com o presidente Macron, representante de um país extremamente protecionista de sua ineficiente agricultura e pecuária. Aproveitando-se do desrespeito bolsonarista pelo meio ambiente, Lula terminou aliando-se a alguém que procura prejudicar o Brasil protegendo seus pecuaristas e agricultores. Quem ele defenderá como presidente, os produtores franceses ou os brasileiros? Valeu a foto? Os franceses devem estar rindo, com uma boa garrafa de vinho! Brindaram! Santé!

Como não poderia deixar de ser, posou como pacifista, uma pessoa do amor, quando ele e seu partido não cessavam de repetir que se guiavam pelo princípio do “nós contra eles”, em consequência, pelo discurso do ódio pelo outro que deles discordava ou criticava. Procuraram sempre a hegemonia política, baseada num discurso uniforme, ancorado no politicamente correto. Invertendo posições e valores, Bolsonaro colocou-se como discípulo dileto, igualmente voltado para o ódio e a desconsideração do outro, apenas mais evidente por ter acentuado o lado da morte em suas atitudes contra a vacina e o isolamento social e suas poções mágicas de cloroquina. Lula tem mais verniz.

O suposto golpe contra a ex-presidente Dilma sempre volta à cena. “Esqueceu-se” de dizer que foi constitucionalmente destituída da Presidência, inclusive com apoio de partidos aliados seus e por ministros do Supremo por ele e ela indicados. Dilma entregou um país em ruínas, com queda do PIB, alta taxa de desemprego, expectativas de renda decrescentes e com a imensa maioria da população com ela descontente. Não se pode omitir que Dilma é Lula, Dilma é PT. Ela é a sua criatura! Será que o criador quer renegar a sua criatura dizendo defendê-la?

Por último, em seu discurso, o ex-presidente insiste em que se dirige aos progressistas. O que isso significa? Apoio aos ditadores, aos que destroem a democracia, aos liberticidas, aos que jogam os seus respectivos povos à pobreza e à cruel repressão? Aos que se comprazem com narrativas mentirosas? Aos que omitem o que fizeram?

*Professor de Filosofia na UFRGS

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