Folha de S. Paulo
Nenhuma interjeição, como esta criada por
Jaguar nos anos 70, parece tão perfeita para o Brasil de hoje
Leitores escreveram apoiando uma onomatopeia que usei outro dia (29/10) ao descrever a sensação de asco diante de alguma nova agressão de Jair Bolsonaro ao Brasil. A onomatopeia era "Blearghh!", criada por Jaguar no Pasquim dos anos 70 para identificar o som de um vômito. Jaguar, o maior cartunista brasileiro de todos os tempos e a quem devemos uma edição abrangente de sua obra, fez dela a trilha sonora de seu personagem Gastão, o Vomitador, que assim expressava sua reação ao que acontecia no Brasil da ditadura. O Brasil de Bolsonaro obrigaria Gastão a vomitar de hora em hora.
Não sei de onde Jaguar tirou o
"Blearghh!", mas é perfeito. Parece inglês, mas dicionários como o
"Webster" e o "Cambridge" não o registram. Donde poderia muito
bem ser incorporado ao português, e com mais propriedade do que outras
interjeições em inglês que estão indevidamente se impondo por aqui. Ninguém
mais fala "Epa!" —fala "Oops!". Ninguém exclama
"Pô!" ou "Genial!", mas "Uau!", tradução de
"Wow!". E ouço dizer que, nas redes sociais, usa-se "Cof!
Cof!" —"Cough! Cough!" mal pronunciado— para insinuar tosse no
sentido de ironia.
É verdade que os gibis americanos sempre
nos impuseram essas coisas. "Brrr!" é sentir frio. "Gulp!"
é engolir em seco. "Boo!" é dar um susto. "Bang!" é um tiro
ou explosão. "Hmmm..." é pensar, ponderar. "ZZZ" é dormir.
Mas a submissão ao colonizador tem limites. Em breve estaremos gritando
"Ouch!" [autch] e não "Ai!" a uma martelada no dedo e
fazendo "Atchoo!" em vez de "Atchim!" ao espirrar.
Por que soluções com séculos de eficácia
comprovada são substituídas por outras piores? O último brasileiro a se manter
fiel a "Rá-rá-rá!" ao rir por escrito é o nosso José Simão. O pessoal
hoje prefere "Rsrsrsrsrs", que para mim soa como um rosnado, ou
cacareja em uníssono escrevendo "Kkkkkkkkkk!".
O uníssono deveria ser reservado ao
"Blearghh!" e dirigido a —você sabe.
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