O Globo, 21.11.2021
O capitão mandou pendurar um painel de 10
metros por 2,5 no saguão do Palácio do Planalto. Chama-se “Brasil acima de
tudo” e faz seu gosto. Bolsonaro também quer privatizar a Petrobras. É seu
direito defender a ideia, tomando as providências que a lei determina. Não é
seu direito, contudo, tratar o prédio onde trabalha como propriedade privada.
Se o Instituto do Patrimônio Histórico não serve para proteger a arte do
palácio presidencial, seria melhor fechá-lo.
Os palácios brasileiros passaram a ser
tratados como propriedade privada há pouco tempo. Getulio Vargas pouco mexeu no
Catete ou no Laranjeiras. No Alvorada de JK, a sala de jantar era iluminada por
lâmpadas fluorescentes que arruinavam a maquiagem das senhoras. No governo de
FHC, colocou-se uma grande escultura de madeira no jardim do Alvorada. Com a
chegada de Lula, a peça foi retirada e acabou num galpão. No lugar, entrou um
canteiro de flores vermelhas com a forma da estrela do PT. No Planalto, Nosso
Guia instalou um pequeno museu com peças de sua vida. Lula se foi, e com ele a
estrela de flores e o museu.
O presidente americano Ronald Regan comparou
o palácio da “Alvarado” ao QG de uma companhia de seguros. Bolsonaro já havia
exposto no saguão do Planalto, onde pôs o painel, as roupas que ele e sua
mulher Michelle usaram no dia da posse. Elas continuam lá, afastadas.
Essas manifestações de falso gosto histórico ou artístico são bregas e constrangedoras. Os museus brasileiros conservam peças que poderiam ser emprestadas ao Planalto. Aquelas paredes não são molduras de painéis de propaganda política.
Os retirantes que somem
Saiu o primeiro dos dois volumes da
biografia de Lula, escrita pelo jornalista Fernando Morais. Perto da metade de
suas 468 páginas ocupam-se com minuciosas descrições de suas prisões, a de
2018, como ex-presidente, e a de 1980, como líder sindical.
É o livro de um biógrafo que gosta do seu
personagem, circunstância que o enriquece. Em um parágrafo, ele conta a partida
de Dona Lindu, em 1952, com seis crianças na caçamba de um caminhão do interior
de Pernambuco a Santos. Lula tinha sete anos. Essa viagem de 13 dias teve algo
de épico, sem conforto, com quase nenhuma comida e já foi contada muitas vezes.
Dona Lindu e seus filhos estão imortalizados no Recife, num monumento aos
retirantes nordestinos da época. Plantado num parque que leva o nome da
matriarca, foi projetado por Oscar Niemeyer.
A história tem suas trapaças. Faltam no
monumento aos retirantes, e em quase todas as descrições da viagem, Dorico,
irmão de Lindu, a mulher, Laura, e mais suas duas crianças. Eles também vieram
no pau-de-arara. Quando chegaram a Santos, foi Dorico quem chamou o táxi que os
levou ao endereço de Aristides, o pai de Lula. Trabalhando como estivador,
vivia com Mocinha, a prima de Lindu, com quem viera de Pernambuco. Isso foi
revelado há anos pela jornalista Denise Paraná em seu excepcional “Lula, Filho
do Brasil”.
Morais fez duas referências nominais a
Dorico, ambas mostrando que, anos depois, Dona Lindu e seus filhos moraram num
quarto nos fundos de seu bar, em São Paulo.
A ausência de Dorico e sua família no
monumento do Recife e nessa parte da história do garoto Luiz Inácio é um
aspecto da vida dos retirantes dos anos 50. É a presença do ausente, aquele
migrante que acaba engolido pela História, mesmo que seu sobrinho tenha sido
presidente da República por dois mandatos.
O Touro de Ouro
Se o monumento a Dona Lindu, do escultor
Abelardo da Hora, é uma homenagem ao andar de baixo, o Touro de Ouro que
papeleiros puseram diante da Bolsa de Valores é um monumento à falta de
imaginação do andar de cima de Pindorama. É um eco da escultura semelhante colocada
em frente à Bolsa de Wall Street.
Madame Natasha lembra que no Brasil, e em
português, touros nada têm a ver com Bolsas. Em Wall Street, o touro, “bull” em
inglês, designa um mercado que o bicho joga para cima com seus chifres. Já um
mercado em queda é chamado de “bear” (urso) porque empurra suas presas para
baixo.
O touro de Wall Street é de bronze, com a
cor do metal. O touro paulista é de fibra de vidro, pintada de dourado. De ouro
era Baal, a divindade pagã que Moisés destruiu quando desceu do Monte Sinai.
Enquanto o Touro de Ouro foi para a frente
da Bolsa, o urso dava o ar de sua graça e os papéis caíram abaixo da marca de
novembro do ano passado.
O recado de Leite
Seja qual for o resultado da prévia tucana,
o governador gaúcho, Eduardo Leite, deixou sua marca no debate presidencial.
Anunciou que é contra a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos. Tem
autoridade para isso porque não disputou a reeleição em Pelotas, foi para o
sereno e dois anos depois elegeu-se governador do Rio Grande do Sul.
Lula foi contra a reeleição, até que chegou
sua hora. Bolsonaro também prometeu não disputá-la.
Todos os males da vida nacional, do
descontrole dos gastos ao toma-lá-dá-cá, têm raízes estruturais e são ossos
duros de roer. Só a reeleição pode ser cancelada com uma desambição exemplar e
um ato parlamentar.
Nunes Marques, o quieto
Desde que chegou ao Supremo Tribunal
Federal, o ministro Kassio Nunes Marques tem sido visto como uma figura
silenciosa e dissidente, com jeito de penetra. Ele se tornou um discreto
articulador nas escolhas do Planalto para o preenchimento de vagas no
Judiciário.
Nisso ele é um mestre, tanto que chegou à
Corte como um verdadeiro azarão.
Pesadelo diplomático
Depois que Bolsonaro foi aos Emirados
Árabes para andar de motocicleta enquanto Lula era recebido como um chefe de
Estado na Europa, um pesadelo diplomático assombra o Planalto. É a
possibilidade dele ir aos Estados Unidos no ano que vem.
Se Lula se encontrar com metade das vítimas
das caneladas do bolsonarismo, repetirá o êxito do périplo europeu.
Pastore tem sorte
O economista Affonso Celso Pastore, que
está no círculo de colaboradores de Sergio Moro, sabe economia e passou pela
presidência do Banco Central (1983-1985) com biografia imaculada, e é também
uma pessoa de sorte.
Em 1982, quando participava de uma reunião
do FMI em Toronto, saiu para almoçar e pediu ostras. Mordeu uma coisa dura e
achou que tinha quebrado um dente.
Era uma pérola.
Um ano de Pix
As coisas podem dar certo. O Banco Central
comemorou discretamente um ano de funcionamento do aplicativo Pix.
Sem marquetagens, mentiras ou pixulecos,
ele já atendeu 104 milhões de pessoas, movimentando R$ 4 trilhões.
Teve falhas e foram corrigidas, pode
melhorar e o BC está trabalhando nisso.
Missão para Mourão
Se o general da reserva Hamilton Mourão for
um homem caridoso e tiver uma brecha na agenda, bem que poderia ir a Washington
para almoçar com sua colega Kamala Harris.
Poderia explicar-lhe o que deve fazer para continuar viva numa Casa Branca habitada por um presidente cercado por fofoqueiros que não têm o que fazer e, se tivessem, seriam incapazes de enfiar um prego numa barra de sabão.
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