Valor Econômico
Uma frente de partidos pode dar força à
terceira via
Entre um aspirante aqui e outro acolá a
personificar uma candidatura competitiva de terceira via, segue o governo
confiante na perenidade do potencial eleitoral do presidente Jair Bolsonaro.
Frequentadores do terceiro andar do Palácio
do Planalto, o pavimento em que se localiza o gabinete presidencial, descrevem
a cena como uma área ocupada por duas árvores frondosas que, de tão grandes e
espaçosas, impedem que as outras abaixo tenham um lugar ao sol para poder
crescer. São as pré-candidaturas de Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. E entre elas, não faltam sementes.
Vê-las germinar é vontade de muita gente
fora do meio político. Empresários, investidores, eleitores cansados do
esgarçamento do ambiente institucional e até militares começam a falar sobre o
assunto sem muita cerimônia.
Outro dia um graduado oficial das Forças Armadas, daqueles que ostentam várias estrelas sobre os ombros, comentava a conjuntura em uma conversa informal. Tema delicado. Afinal, ao mesmo tempo em que buscam evitar a politização da caserna, quase que diariamente os militares são expostos à tentativa do presidente de aproveitar-se da imagem das Forças. Isso quando não tentou usá-las para assediar um outro Poder.
Aliás: depois de um período atacando com
intensidade e frequência as instituições, Bolsonaro andava até mais
cerimonioso. Nos últimos dias, voltou a criticar decisões do Supremo Tribunal
Federal (STF), em especial a liminar deferida pela ministra Rosa Weber com o
objetivo de sustar o pagamento das insidiosas emendas de relator ao Orçamento.
Essas emendas se tornaram um dos principais
instrumentos usados para sacramentar a união, em comunhão parcial de bens,
entre aqueles que chegaram ao Palácio do Planalto maldizendo a política
tradicional e os que sempre estiveram no centro do poder e sabem como usufruir
daquilo que ele oferece.
O presidente pode argumentar, para quem
quiser acreditar, que apenas buscou defender as prerrogativas do Congresso
contra o que considera interferências indevidas do Judiciário. Vai precisar ter
cautela para não romper a trégua que o mantém afastado de uma crise institucional
sem, por outro lado, desmobilizar a base eleitoral que em tese lhe garantirá um
lugar no segundo turno na eleição de 2022. Não há auxiliar do presidente que
consiga apostar quanto tempo ele ficará longe de confusão.
Daí o comentário daquele oficial, compartilhado
por alguns dos seus colegas, um misto de torcida pela redução do tensionamento
e preocupação com ambiente político-social que emergirá das eleições gerais. De
acordo com essa visão, a radicalização do ambiente sem o aparecimento de uma
força alternativa pode facilitar o retorno do PT ao poder. “Vamos entregar de
novo o país para o Lula?”, comentou, de forma reservada.
É contraintuitivo, mas pode ser que em
outubro do ano que vem o mais radical bolsonarista tenha que optar por não
votar pela reeleição do presidente no primeiro turno para evitar que Lula volte
ao poder. Isso se deve ao fato de as rejeições dos dois candidatos que estão à
frente das pesquisas serem enormes, mas o antibolsonarismo tende a ser maior
que o sentimento de aversão ao petista.
Por isso que o desafio de quem está
preparando uma candidatura de terceira via é construir um discurso que atraia o
eleitor de direita e todos que estejam preocupados com a economia. A pandemia
tende a não ser esquecida, mas terá um papel secundário.
A campanha vencida por Fernando Henrique
Cardoso tinha como força motriz a necessidade de estabilização da economia.
Lula o sucedeu porque o momento exigia um candidato identificado com o combate
à desigualdade social e capaz de acelerar o crescimento, o qual acabou
beneficiando também a ex-presidente Dilma Rousseff.
Bolsonaro soube capitalizar a revolta da
população com seguidas denúncias de corrupção, e emplacou um discurso
moralizador que em 2022 terá dificuldades de repetir. Só um grande escândalo
pode recolocar essa bandeira como um fator central no processo decisório do
eleitor, o que em tese tende a beneficiar o ex-ministro Sergio Moro, ex-juiz da
Lava-Jato.
No ano que vem, contudo, a inflação
permanecerá em patamares elevados. Não se prevê uma recuperação do mercado de
trabalho e a situação da economia ainda é uma angustiante incógnita.
Do seu lado, Lula faz sombra sobre aqueles
que apostam num discurso voltado à área social. Mas é provável que o caminho
seja favorável para quem conseguir ser visto como o candidato capaz de
reorganizar o Estado e recuperar o país. Diante dos arroubos do presidente, um
discurso que passe uma mensagem de mudança com temperança também pode cativar
uma parcela da população.
Nada disso parece afligir interlocutores de
Bolsonaro. Para eles, a disputa pela sua filiação entre os partidos do Centrão
é evidência da força do candidato incumbente. A história recente, ponderam,
demonstra que é um erro menosprezar a força da máquina federal, ainda que quem
busque a reeleição não esteja vivendo a melhor fase um ano antes do pleito.
Para eles, a proliferação de pré-candidaturas facilita ainda mais o caminho de
quem está bem posicionado nos dois polos do tabuleiro: apenas um candidato que
construa uma coligação robusta poderia surpreender.
Isso foi feito em 2018 por Geraldo Alckmin,
mas não deu certo. O tucano conseguiu costurar uma aliança formada por PSDB,
PTB, PP, PR (hoje PL), DEM, Solidariedade, PPS (hoje Cidadania), PRB (atual
Republicanos) e PSD. Ainda assim ele não empolgou o eleitor e obteve menos de
5% dos votos. Quarto lugar.
No governo, mais do que prever a manutenção do cenário de polarização, trabalha-se para consolidá-lo e eventualmente, no momento certo, até radicalizá-lo. Existem formas de trilhar essa rota sem confrontar os outros Poderes: determinada pela Justiça há poucos dias, a retomada das apurações sobre a facada dada em Bolsonaro por Adélio Bispo durante a campanha de 2018 era ansiosamente aguardada pelo presidente e seus aliados.
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