quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Zeina Latif - Cada um por si

É conhecida a baixa institucionalidade dos partidos no Brasil, o que significa carecer de agenda programática bem definida e disciplina partidária.

Uma razão para isso é que, com poucas exceções, a gênese dessas organizações foi de cima para baixo, e não reflexo de demandas por maior representatividade de segmentos da sociedade.

De quebra, o elevado número de partidos reduz a capacidade do eleitor de identificar os compromissos e posições das agremiações.

Pesquisas indicam que a baixa institucionalidade enfraquece o papel dos partidos de colocar freio à ação do Estado, o que se traduz em reduzida governança estatal e pouca atenção à oferta de serviços públicos de qualidade.

Não só os partidos deixam de cumprir bem seu papel no jogo democrático, inibindo excessos de governantes e o populismo, como pressionam governos fracos por mais recursos. O clientelismo nos países fica mais arraigado.

No Brasil, o que já não funcionava bem agora vai de mal a pior. Afinal, ruim com os partidos, pior sem eles. Ouve-se de políticos experientes que Brasília virou terra de ninguém. É cada um por si, focando interesses de curto prazo. Não parece coincidência a queda da aprovação do Congresso — 13% segundo o Datafolha; um dos piores resultados já apurados.

Juntou-se a fome com a vontade de comer. De um lado, um presidente que ignora a importância dos partidos — está há mais de dois anos sem filiação, depois de ter passado por oito deles —, tendo defendido a negociação política com as bancadas temáticas do Congresso, que representam unicamente pautas corporativistas.

De outro lado, o centrão, incumbido da articulação política do governo, faz a negociação essencialmente no varejo, utilizando como principal moeda de troca o direcionamento das emendas do relator (R$ 18,5 bilhões este ano). Congressistas ávidos por recursos ignoram orientações partidárias, que, convenientemente, são pouco claras na maioria dos casos.

O placar da PEC dos Precatórios aprovada em primeiro turno na Câmara dá o tom: siglas tradicionais de esquerda sofreram dissidências, bem como outros partidos de oposição, e alguns ficaram rachados.

Os problemas vão além. A PEC abrange assuntos sérios demais para estarem em uma mesma proposta: o controverso parcelamento de precatórios e a mudança da metodologia do cálculo do teto de gastos, que de forma oportunista abrem espaço significativo para gastos extras em ano eleitoral.

Não se trata de aprimoramento da regra do teto. A propósito, quando se acreditava que a inflação em queda geraria maior espaço orçamentário em 2022 (o teto é corrigido pela variação anual do IPCA em junho e as despesas previdenciárias crescem com o salário mínimo, corrigido pelo INPC ao final do ano), ninguém discutiu esse assunto.

Foi a inflação surpreender para cima que apareceu a defesa de “aperfeiçoamento” da regra.

Parece inevitável a leitura de que a aglutinação desses temas visou a evitar o debate público mais profundo e a passar a boiada mais facilmente na tramitação no Congresso.

Enquanto isso, deputados deixam de discutir o mérito das medidas e votam em causa própria, pois a PEC abre espaço para emendas de relator em 2022 (na casa de R$ 15 bilhões), em plena campanha eleitoral.

O estrago aumenta ao alimentarem na opinião pública a ideia de que se trata apenas de abrir espaço para socorrer os necessitados.

Se fosse isso, não teriam deixado para tratar do assunto na correria e tampouco teriam embutido na fatura o aumento do fundo partidário, a desoneração de setores e a emenda do relator.

A democracia depende da barganha política. A operação do chamado presidencialismo de coalizão, fruto do multipartidarismo em regime presidencialista, demanda instrumentos para que o Executivo governe com apoio de maioria do Congresso

A diferença do que ocorre hoje pode parecer sutil, mas é relevante: o Executivo entregou ao Legislativo as decisões de governo; uma terceirização para atender a demandas de curto prazo de alguns congressistas. Vão-se os dedos e os anéis.

Também preocupa a facilidade com que se muda a Constituição para pior. Como investir no Brasil nessas bases?

De positivo nesse episódio foram a reação de Rosa Weber e de importantes lideranças políticas que buscam conter danos.

Neste país de instituições ainda frágeis e reduzido capital cívico, a grandeza de lideranças políticas faz muita diferença. Esse episódio revela a pequenez de muitos.

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