Levantamento indica que 48,7% da população ocupada no país não possui vínculos
Marsílea Gombata / Valor Econômico
A crise da covid-19 deteriorou o mercado de
trabalho brasileiro e fez o nível de informalidade acelerar. A proporção de
trabalhadores informais na população ocupada é a maior em uma década no Brasil.
Economistas afirmam que a tendência é esse percentual crescer no curto prazo e
argumentam que, sem crescimento econômico, dificilmente haverá reversão desse
quadro.
O volume de trabalhadores informais chegou a 48,7% da população ocupada, no fim do segundo trimestre de 2021 - dado mais recente -, ante 45,7% no primeiro trimestre de 2012 e o pico anterior de 48,5% no terceiro trimestre de 2019, segundo levantamento da consultoria iDados, com base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral. Isso significa que o Brasil tem hoje mais de 42,7 milhões de informais. Essa conta inclui todos os trabalhadores sem carteira assinada e os por conta própria, cuja maioria é informal, mas exclui os empregadores, que são em sua maioria formais.
Na metodologia que inclui trabalhadores sem
carteira assinada, os por conta própria e empregadores sem CNPJ, mas exclui os
com CNPJ, o percentual de informais chega a 43% no segundo trimestre deste ano,
ante 40,9% no primeiro trimestre de 2016 e 44,1% no terceiro trimestre de 2019.
Foi em 2016 que o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) começou a identificar trabalhadores por conta
própria com CNPJ, assim como os empregadores sem CNPJ.
O cenário de hoje é resultado da
recuperação capenga do mercado de trabalho, na qual tanto trabalhadores que
eram formais quanto os que eram informais encontram oportunidades apenas no
mercado informal, dizem economistas.
“Com a pandemia, muita gente saiu do
mercado de trabalho, que está se recuperando, mas não apresenta ainda
crescimento suficientemente grande para absorver todos que saíram dele, no que
diz respeito a empregos de qualidade”, diz Bruno Ottoni, economista da iDados.
“Há grande geração de empregos formais,
mas, dada a forte perda de empregos na economia brasileira como um todo,
precisaríamos gerar mais vagas formais. Não à toa, as pessoas não encontram
outras alternativas e o número de trabalhadores por conta própria, por exemplo,
tem crescido.”
Dados da Pnad Contínua do trimestre móvel
encerrado em agosto mostram que o número de trabalhadores por conta própria
atingiu recorde, chegando a 25,4 milhões de pessoas. Isso representa alta de
4,3%, ante o trimestre móvel anterior, encerrado em maio, e de 18,1% na
comparação anual.
O cenário atual difere de momentos de
grande informalidade como 2016 e 2017, em que houve uma espécie de “uberização”
no Brasil, ou de 2019, quando muitos deixaram de ser trabalhadores com carteira
assinada para se tornarem autônomos, diz Cosmo Donato, da LCA Consultores.
“Em 2016 e 2017 tínhamos uma precarização
forte do mercado de trabalho, uma uberização, no pós-crise de 2015 e 2016. Já
em 2019 tratava-se de algo esperado, com menos formais e mais 'pejotização' e
empreendedorismo, mas nem tanto de precarização”, afirma Donato.
“O que ocorre hoje é mais parecido com
2017. A economia se recuperou, mas cresce a um ritmo insuficiente para realocar
todo mundo e gerar crescimento de renda para todos. É um mercado de trabalho
com mais pessoas ocupadas, mas pior em termos de renda. É um cenário bastante
triste”, diz.
Segundo o economista, a perspectiva é de
continuidade dessa alta da informalidade. “Se já havia crescimento da
informalidade contratado nos últimos anos, agora esse movimento será muito
maior e puxado por maior precarização. As oportunidades que surgirão não serão
boas. Com as perspectivas para a economia hoje, a informalidade veio para
ficar”, diz, ao lembrar que as projeções de crescimento adiante são ruins.
Para o ano que vem, a consultoria espera
crescimento de 1,7%. Para 2023, a projeção é de alta de 2%, com tendência à
baixa.
O mercado de trabalho brasileiro ainda deve
ter novos recordes de informais nos próximos trimestres, argumenta Ottoni.
“Vamos ver mais recordes. Ainda há muita
gente para entrar no mercado de trabalho, que no pré-pandemia era composto por
106 milhões e hoje está em 103 milhões. Ou seja, há 3 milhões que ainda não
retornaram ao mercado de trabalho”, afirma. “Isso mostra que tem muita gente
para voltar, mas, como as perspectivas para a economia não são tão boas, sugere
também que não teremos tanta geração de emprego com carteira assinada e que as
pessoas terão de encontrar opções fora do mercado formal.”
Daniel Duque, economista do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), diz que nos
próximos meses podemos ver certa recuperação do emprego, com algum aumento dos
formais, já que a criação dos postos com carteira assinada acompanha o
crescimento do PIB.
“Mas a partir do ano que vem devemos ver
esse movimento perder força, dado que o crescimento da economia que deve ser
novamente baixo”, diz Duque. “Teremos uma estabilidade do mercado de trabalho,
mas com viés favorável a mais informais.”
Segundo o economista, o cenário atual
representa uma regressão em relação ao movimento que o Brasil teve a partir dos
anos 2000, de forte formalização do emprego. “Isso leva o mercado de trabalho a
um patamar bastante negativo em termos de desenvolvimento”, afirma.
“É um cenário ruim não apenas do ponto de vista da produtividade, mas também no que diz respeito a rendimento, bancarização e acesso ao crédito, arrecadação de impostos, e uma série de consequências que afetam tanto o trabalhador quanto o próprio governo”, conclui Duque.
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