O Globo
Game over? Não, diferentemente dos
videogames em que uma jogada encerra a partida, a maioria formada pelo Supremo
Tribunal Federal para disciplinar a excrescência chamada emenda do relator ao
Orçamento não põe fim à aliança entre Jair Bolsonaro e Arthur Lira, que tem
como horizonte a campanha à reeleição do presidente. Por isso, ainda que haja
razões concretas para celebrar a decisão do STF, a oposição não deve achar que
o jogo acabou. O consórcio Bolsolira ainda tem outras vidas.
O Supremo deu um recado eloquente ao
Congresso: o Orçamento não pode ser uma peça privada, voltada a garantir
maioria ao governo e benefícios aos parlamentares, sem nenhuma transparência ou
prestação de contas aos órgãos de controle.
Como escrevi aqui na última sexta-feira, antes de a ministra Rosa Weber conceder liminar paralisando os pagamentos via orçamento secreto, um instrumento assim desigual conspurca a democracia. Tanto Rosa quanto a ministra Cármen Lúcia salientaram esse aspecto em seus votos.
O placar formado de pronto para referendar
a decisão de Rosa também tem outro aspecto importantíssimo: mostrar que o
Judiciário não é suscetível a ameaças de retaliação vindas de Lira e seu grupo.
Atingido em cheio no seu poder imperial de distribuir dinheiro rápido e sigiloso em troca de votos, o presidente da Câmara agiu como se os membros do Judiciário estivessem sujeitos à mesma tutela que ele exerce sobre seus pares. Não colou, e outros cinco ministros fizeram questão de deixar isso patente antes mesmo da votação em segundo turno de outra anomalia chamada PEC dos Precatórios.
Isso significa que Bolsonaro não conseguirá
mais dar suas pedaladas e avançar no vale-tudo fiscal para se reeleger, com a
ajuda de Lira? Não necessariamente. Ficará menos rápido e menos eficaz
fidelizar deputados com emendas, mas outras rubricas virão se a RP9, a via
rápida do fisiologismo, permanecer interditada.
Eles tentarão aprovar um remendo de
transparência para dar uma satisfação ao Supremo e tentar retomar o mecanismo.
Se não colar, transferirão os recursos para outro tipo de emenda.
Além disso, Bolsonaro trata de avançar numa
outra costura em que, mesmo impopular, com a inflação comendo solta e o
desemprego galopante, está muito mais adiantado que a oposição, inclusive o PT:
a construção de um palanque para 2022.
Na surdina, fez uma jogada malandra: deve
se filiar ao PL, que ameaçava deixar a base aliada para até cair no colo de
Lula, e ter o PP, que por muito tempo foi seu plano A, na chapa, indicando o
vice.
De novo é o consórcio Bolsolira em ação. As
emendas do relator eram importantes para que o casamento fosse registrado em
cartório? Sem dúvida. Eram condição sine qua
non? Vamos vendo que não.
Se conseguirem abrir a clareira fiscal no
teto de gastos, outra inconstitucionalidade flagrante, além de um crime contra
as contas públicas por que o país pagará pelas próximas décadas, Bolsonaro e
Lira ganharão mais recursos para novas emendas (RP9 ou seja quais forem) e também
para promover um fundão eleitoral anabolizado de que PP e PL se beneficiarão.
Junte-se a isso a expectativa de ministros
e parlamentares do Centrão de que o Auxílio Brasil tratará de resgatar
Bolsonaro do limbo da popularidade, vai-se construindo, com a ajuda de uma
oposição bastante atordoada, uma candidatura viável daquele que é o pior
presidente da História do Brasil.
Incrível, não?
Para evitar essa sucessão de descalabros, o
Supremo tem sido o único bastião confiável, corajoso e cioso de seu papel. Oposição,
TCU, Ministério Público, até o Senado oscilam e por vezes não enxergam o que
vai se configurando: o maior e mais caro estelionato eleitoral, para o qual
vale dar calote em dívida judicial, arrombar o teto e sabe-se lá mais que
truque.
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