Valor Econômico
País ficará mais pobre e terá crescimento
diminuto, inflação elevada, juros altos, privilégios mantidos e reformas
interrompidas
O crescimento do PIB brasileiro será possivelmente nulo em 2022 - a história mostra que a precisão desse número é baixa, com as probabilidades de quaisquer valores entre uma contração de 1% e uma expansão de 1% muito parecidas. A expectativa de estagnação incorpora ligeira expansão do consumo das famílias, mesmo com a massa salarial real não crescendo de forma significativa nem a taxa de desocupação sendo muito inferior à média de 12% de 2019. O setor externo terá contribuição positiva para o PIB no próximo ano, consequência de menores importações, preços de commodities altos e câmbio mais depreciado. Por outro lado, os investimentos diminuirão frente aos de 2021, prejudicados pela desaceleração global e pela incerteza doméstica gerada por questões relativas às contas públicas, à inflação e às eleições.
Os números fiscais de 2022 não mudarão
muito frente aos de 2021, com um déficit primário de cerca de 1% do PIB e uma
dívida bruta de 84% do PIB. O Congresso terá de rediscutir as regras fiscais,
pois é difícil que a Regra do Teto dos Gastos (RTG) seja cumprida, devido ao
reajuste das despesas - quase todas obrigatórias - e à improvável redução da
parcela temporária do Auxílio Brasil. Para contrabalançar o redesenho da RTG, o
governo poderia impor uma trajetória das metas de resultado primário para
alcançar 2,5% do PIB em 2026. O Executivo e o Congresso precisariam optar,
nesse caso, por uma combinação de aumento de impostos com corte de despesas e
de renúncias tributárias. O debate sobre a diminuição de gastos e subsídios
seria desafiador, em função da necessidade de superar a ferrenha oposição de
grupos influentes e privilegiados.
A inflação IPCA recuará de cerca de 10% em
2021 para perto de 5% no próximo ano. Essa projeção otimista pressupõe declínio
da inflação de administrados acumulada em 12 meses de 17% em setembro para
cerca de 4% em 2022. Isso exigiria que a alta do preço da gasolina diminuísse
para menos de 10%, após acumular 40% neste ano, e que a tarifa de energia elétrica
residencial encolhesse 10%, depois de aumentar quase 30% em 12 meses.
Desde 2000, a inflação IPCA nunca recuou
entre dois anos mais do que os 4,4 pontos percentuais (pp) observados entre
2015 e 2016 - o alento é que os núcleos diminuíram em várias ocasiões mais do
que a redução prevista para 2022 de 2 pp. Por consequência, a probabilidade de
a inflação superar a projeção de IPCA é considerável, dada sua permanência
acima de 9% do último julho até provavelmente abril de 2022, em um ambiente de
alta de preços na maioria dos países muito acima de suas metas até meados de
2022. O declínio da inflação nessa magnitude requer que: sua persistência não
tenha crescido muito, mesmo com uma forte e disseminada elevação de preços; não
haja majoração significativa dos preços de commodities; e ocorra uma rápida
solução para os gargalos nas cadeias de suprimentos, ao contrário do previsto
pela maioria das empresas.
A piora dos fundamentos é compatível com
uma projeção de taxa neutra de juros acima dos otimistas 3% do Banco Central. A
deterioração fiscal e as projeções de atividade e de inflação exigem uma taxa
Selic por volta de 11% em maio de 2022 e sua estabilidade nesse patamar até o
fim do ano. Isso corresponderia a um aperto monetário de 900 ponto básicos. Não
obstante, a curva de juros chegou a embutir uma Selic de 14% no fim de maio.
Os modelos sugerem que, na ausência de
novos choques de oferta desfavoráveis, um ciclo de 1200 pb garantiria uma
inflação mais perto do centro da meta de 3,5%. No entanto, esse aperto agregaria
volatilidade indesejável, provocando maior recessão em 2022 e inflação abaixo
da meta de 3,25% em 2023. Nesse caso, uma reversão do ciclo monetário poderia
ser necessária já no 4º trimestre do próximo ano.
Apesar de os exercícios econométricos sinalizarem
que o real está depreciado em relação ao dólar e à cesta de moedas ponderada
pela corrente de comércio, o desgaste nos fundamentos domésticos e a incerteza
em várias frentes podem contribuir para uma taxa de câmbio ainda mais
depreciada - média de R$ 5,90/US$ em 2022. Nesse contexto, o Banco Central
poderá instituir programas de oferta de swaps cambiais e de dólares no mercado
à vista.
O déficit em transações correntes tende a
diminuir para 1,5% do PIB em 2022, em função dos efeitos nas contas do balanço
de pagamentos advindos do menor crescimento, dos preços de commodities
favoráveis, dos maiores juros, da taxa de câmbio depreciada e da maior abertura
dos países para viagens internacionais. O resultado é que o superávit comercial
aumentará um pouco mais do que o déficit das contas de rendas e serviços.
Ademais, o fluxo de investimentos diretos continuará alto em 2022, em linha com
o cenário ainda favorável nos países centrais e da continuidade do crescimento
do consumo das famílias.
Apesar da sua urgência, as propostas de
reformas estruturais não avançarão em 2022. Esse cenário não é de todo mal,
pois as mudanças não seriam relevantes em termos de cortes de privilégios, dado
o receio dos políticos de penalizar segmentos influentes antes das eleições. Por
outro lado, isso eleva a chance de propostas de reforma mais substanciais serem
aprovadas em 2023.
A vitória do ex-presidente Lula, em uma
disputa polarizada contra o presidente Bolsonaro, é hoje o cenário mais
provável. É baixa a probabilidade de surgimento de um candidato popular e forte
o suficiente para aglutinar eleitores do centro-esquerda à centro-direita que
rejeitem os dois candidatos favoritos. Até porque Bolsonaro e Lula migrarão
suas plataformas para posições mais condizentes com o perfil do centro,
reduzindo o espaço para uma eventual 3ª via.
Em suma, tudo indica que será mais um ano
perdido para o Brasil. O país ficará mais pobre e terá crescimento diminuto,
inflação elevada, juros altos, moeda mais depreciada, privilégios mantidos e
reformas interrompidas.
*Nilson Teixeira,
sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos
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