EDITORIAIS
Inépcia no Inep
Folha de S. Paulo
Crise administrativa em ministério
aparelhado aumenta incerteza sobre o Enem
Quase 3,4 milhões de jovens inscritos no
Enem perdem a tranquilidade num momento decisivo de suas vidas com o
aparelhamento de ministérios por militantes do bolsonarismo. A menos de duas
semanas do exame do ensino médio, o Inep, por ele responsável, vive crise
administrativa sem precedentes.
Na segunda (8), 33 pessoas pediram
exoneração de cargos de chefia no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais. Com duas defecções anteriores, mais de um quarto dos 120 cargos
comissionados da autarquia estão vagos.
O motivo alegado para o desligamento
coletivo foi "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima
do Inep". O órgão de pesquisas e censos do MEC está em seu quarto
dirigente sob Jair Bolsonaro, Danilo Dupas Ribeiro, acusado de assédio moral e
de agravar o desmonte do instituto.
Difícil determinar o quanto essa debandada
afetará a realização do Exame Nacional do Ensino Médio nos dias 21 e 28
próximos. Os demissionários, servidores concursados, permanecem nas funções de
chefia até que a exoneração saia no Diário Oficial da União.
O Inep anunciou em nota que o exame está
mantido e não será afetado pelos pedidos de demissão. O ministro da Educação,
Milton Ribeiro, o quarto escolhido para o cargo no atual governo, não se
pronunciou sobre a crise no setor.
Sua gestão já havia criado confusão nessa
porta de entrada para várias universidades públicas ao negar isenção social de
taxa para estudantes faltosos na prova de 2020. Logrou, com isso, reduzir a um
só tempo o número de inscritos no Enem e a proporção de pretos, pardos e
indígenas.
Em setembro, o Supremo Tribunal Federal obrigou o MEC a retomar as inscrições e o perdão da taxa para ausentes. Duas semanas depois, o ministro disse no Senado que havia jogado R$ 300 milhões "na lata do lixo" com a isenção, ofensa a alunos pobres cujas dificuldades decerto desconhece.
Milton Ribeiro talvez escape de explicar no
Congresso o novo descalabro de sua pasta, pois só Danilo Dupas Ribeiro foi por
ora chamado a depor na
Comissão de Educação da Câmara. Se convocado, seria a quarta vez que
o ministro teria de dar satisfações a parlamentares sobre seus atentados ao
ensino.
O Enem está entre os alvos principais da
cruzada ideológica bolsonarista, que busca interferir no conteúdo da prova. O
que deveria ser um debate complexo e relevante se converte destruição, pura e
simples, sob o comando de incompetentes que aparelham uma área essencial da
administração.
Em último lugar
Folha de S. Paulo
Pesquisa dimensiona malogro da política
repressiva antidrogas adotada no Brasil
A política brasileira para drogas desponta
como a pior entre
as de 30 países, de acordo com o Global Drug Policy Index. Na
pesquisa, quanto mais se aborda a questão de modo repressivo e menos do ponto
de vista da saúde pública, mais negativo é o desempenho.
A partir dos quatro critérios utilizados,
compõe-se a radiografia do fracasso. Os dois primeiros dizem respeito ao eixo
de repressão: respostas extremas por parte do Estado, como pena de morte, e a
proporcionalidade do sistema de Justiça e os abusos cometidos, como prisões
arbitrárias e tortura.
No Brasil prende-se muito, em especial
jovens negros e pobres, e gasta-se muito com repressão com pouca eficácia.
Embora não adote a pena de morte, o Brasil exibe níveis alarmantes de
letalidade policial —foram 6.416 mortes em 2020.
As prisões brasileiras abrigam a terceira
maior população carcerária do mundo, com 146,8% de taxa de ocupação. Entre 2006
e 2017, o percentual de presos por crimes relacionados a drogas passou de 15%,
considerando homens e mulheres, para 30% entre homens e 59% entre mulheres.
Ao não definir uma quantidade de
entorpecente que possa objetivamente diferenciar usuários de traficantes, a Lei
de Drogas de 2006, adotada no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), contribui para esse quadro.
No Brasil, gasta-se muito com uma
estratégia ineficaz. A cifra estimada para a despesa de 2017 com a repressão
apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro é de R$ 5,2 bilhões, segundo estudo
publicado em março deste ano e coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania (CESeC).
Os dois outros critérios da pesquisa
avaliam se o país trata o tema no âmbito da saúde pública e se há o acesso a
psicoativos de uso controlado para redução de dor. O Brasil não avança nas duas
frentes.
Está pendente no Supremo Tribunal Federal
uma decisão acerca da criminalização da posse para uso pessoal. Em 2019, o
governo Jair Bolsonaro lançou a nova Política Nacional sobre Drogas, com foco
em ações repressivas.
Tarda também no Legislativo a definição
sobre cultivo de cânabis no Brasil para uso medicinal e industrial, o qual
conta com a oposição do governo federal.
Esta Folha defende a legalização
gradual dos entorpecentes, o que representaria uma mudança não apenas na letra
da lei, mas também em políticas de saúde. Mesmo o pensamento conservador e seus
adeptos nos três Poderes deveriam reconhecer o malogro da estratégia repressiva
no país.
Os padrões de Bolsonaro e Lira
O Estado de S. Paulo
Não existe verba disponível para o
presidente da República comprar apoio político, ainda mais de forma velada.
Dinheiro público é para servir à população
A liminar da ministra Rosa Weber, do
Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo a execução dos recursos oriundos
das emendas do relator relativas ao orçamento de 2021, incomodou – e muito – o
Centrão. A cada novo capítulo dessa história acintosamente constrangedora, fica
evidente como a prática afeta os interesses do Executivo federal e de parte
considerável do Legislativo. Mesmo depois de descoberta a manobra, governo e
parlamentares não querem abdicar dela.
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), considerou que não era suficiente manifestar-se nos autos das três
ações que questionam a constitucionalidade do mecanismo envolvendo as emendas
de relator. Na segunda-feira passada, Arthur Lira foi pessoalmente até o
Supremo para tentar explicar como pode ser legal um repasse de verbas públicas
orientado por critérios e finalidades não transparentes. O caráter secreto da
prática é tal que foi preciso uma investigação do Estado para revelar que as
tais emendas de relator estavam sendo usadas para comprar apoio político.
A explicitar a esquisitice dos tempos
atuais, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, aceitou receber o presidente da
Câmara. Eram as vésperas do início da sessão virtual extraordinária do plenário
do STF convocada para apreciar a liminar da ministra Rosa Weber. Ainda está
para ser explicado como uma conversa privada entre os presidentes da Câmara e
do Supremo pode ser um âmbito propício para tratar do princípio constitucional
da publicidade no uso do dinheiro público.
Mas a história do orçamento secreto não
envolve apenas a Câmara dos Deputados e Arthur Lira. O presidente da República
é também parte interessada nos efeitos da distribuição de verbas públicas por
meio das emendas de relator. Na segunda-feira, em entrevista à Rádio Jovem Pan
Curitiba, Jair Bolsonaro criticou a decisão da ministra Rosa Weber. “Não foi
justa”, disse.
Em seguida, Jair Bolsonaro expôs, sem
nenhum pudor, o cerne do esquema ilegal que ficou conhecido como orçamento
secreto. “Dizer que nós estamos barganhando... Como eu posso barganhar se quem
é o dono da caneta é o relator, o parlamentar?”, questionou. “O parlamentar é
quem sabe onde precisa de recursos”, afirmou.
A falta de transparência e impessoalidade
do esquema revelado pelo Estado reside precisamente neste ponto. Recursos
públicos, previstos na lei orçamentária para o Executivo, estão sendo
destinados por um parlamentar para finalidades indicadas de forma não
transparente por outros parlamentares, como forma de obter apoio político.
Oficialmente, parece ser o Executivo que
está decidindo o destino dos recursos públicos. Mas isso é apenas a fachada. Na
prática, o governo federal vem transformando verba destinada a investimentos
públicos em moeda de troca para compra de apoio político. Em vez de administrar
de forma criteriosa os recursos públicos – tarefa pela qual responde política e
juridicamente –, o presidente da República transfere ao parlamentar (que
aceitou lhe dar apoio) o poder de decisão sobre essas verbas. “O parlamentar é
quem sabe onde precisa de recursos”, disse Jair Bolsonaro. Não precisava ser
tão explícito.
É lamentável que a Presidência da República
tenha tão pouco apreço pelo modo como são gastos os recursos do contribuinte.
Jair Bolsonaro ignora a Constituição e os mais básicos princípios
orçamentários, dando a entender que nada disso tem importância. Com desenvolta
irresponsabilidade, parece responder a tudo com um categórico “e daí?”.
Cabe ao Supremo lembrar que, num Estado
Democrático de Direito, os recursos públicos devem ser destinados com
transparência e por critérios impessoais. Não existe verba disponível para o
presidente da República comprar apoio político, ainda mais de forma velada.
Dinheiro público tem uma única finalidade: servir à população. Se está sendo
usado para “convencer” parlamentares a votar de determinada maneira, há um
grave problema, mesmo que Bolsonaro e Lira achem que está tudo certo. Os
padrões da Constituição são um pouco mais rigorosos.
Resta o bico, falta o dinheiro
O Estado de S. Paulo
Sem emprego, milhões tentam sobreviver com
qualquer trabalho, sem carteira, sem garantias e com ganhos em baixa
Com 25,4 milhões de pessoas ganhando a vida
sem um patrão, a categoria dos trabalhadores por conta própria chegou a um recorde
no trimestre móvel encerrado em agosto. Esse contingente foi 18,1% maior que o
de um ano antes, com acréscimo de 3,9 milhões de trabalhadores. Para os mais
otimistas, esses dados podem sinalizar um surto de empreendedorismo. Muitos
brasileiros podem ter descoberto, de fato, uma vocação empreendedora. Se essa
vocação for cultivada, o País será beneficiado. Mas, para muitos outros,
possivelmente para a maioria, esse tipo de ocupação pode ter sido simplesmente
um remédio improvisado, e muito inseguro, contra o desemprego devastador, como
indica um estudo feito pela consultoria Idados. Estiveram desempregados nesses
três meses 13,7 milhões de pessoas, 13,2% da população economicamente ativa.
Para conhecer detalhes sobre esse
trabalhador, a consultoria comparou informações do segundo trimestre de 2019,
anterior à pandemia, e do segundo deste ano. O trabalho por conta própria,
geralmente informal e com baixa remuneração, foi aquele com expansão mais
sensível nesse intervalo de dois anos.
Esse grupo, correspondente a 28,2% da
população ocupada no trimestre de abril a junho de 2021, é formado
principalmente por trabalhadores pouco qualificados, mas inclui pessoas com
formação superior. Também essas foram atingidas economicamente pela onda de
covid-19, agravada pelo desgoverno do presidente Jair Bolsonaro. O estudo foi
baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do
IBGE.
Além de abalar o mercado de trabalho, a
pandemia piorou a condição de quem vive por conta própria, isto é, de quem depende
de um bico. No intervalo escolhido como referência para o estudo, 2 milhões se
juntaram ao contingente com ganho mensal de até 1 salário mínimo. Além disso,
parte dos trabalhadores já ocupados dessa forma perdeu rendimento. Houve
precarização maior de um tipo de trabalho já mais precário do que aquele com
carteira assinada, segundo Ana Tereza Pires, pesquisadora da Idados, citada no
Estado.
O estudo permite uma visão mais clara, e
mais dramática, dos estragos ocorridos no mercado nacional de trabalho nos
últimos dois anos. Mostra mais nitidamente a importância do bico, isto é, da
solução precária, e com frequência improvisada, encontrada por milhões de
pessoas diante da impossibilidade de um emprego em condições decentes. Muitos
nem esse bico encontraram.
Milhões, com ou sem bico, foram incapazes,
desde o fim de 2020, de garantir a comida e outros itens necessários às
famílias. Dependentes de ajuda, muitas dessas famílias continuam inseguras
quanto às suas condições de sobrevivência em 2022. Já prejudicados pelas
condições de trabalho, esses brasileiros têm sido pressionados por uma inflação
acelerada, com taxa acumulada de 10,25% nos 12 meses até setembro. As
perspectivas de evolução dos preços no próximo ano têm piorado, em grande parte
pelo comportamento do presidente da República, empenhado em atender às demandas
de seus aliados no Parlamento.
Assim como o desemprego, a inflação
brasileira supera com muita folga os padrões da maioria dos países
desenvolvidos e emergentes. Nos 38 países da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a desocupação média em agosto ficou em 6%.
Nos 12 meses até setembro a inflação média atingiu 4,6%. No período terminado
em agosto a taxa havia sido de 4,3%. A onda inflacionária é global, mas os
números brasileiros são bem piores, em grande parte por causa das
instabilidades geradas no Palácio do Planalto.
Com o baixo crescimento econômico previsto
para os próximos anos – 1% em 2022 e cerca de 2% nos dois seguintes –, o
desemprego deverá cair devagar e dificilmente estará abaixo de 11% em 2026,
segundo estimativa recente de técnicos da Fundação Getúlio Vargas (FGV). As
perspectivas poderão melhorar, é fácil concluir, com mudança na Presidência da
República. Mas o sucessor, em 2023, terá de administrar um péssimo legado.
Arrogância, aparelhamento e inépcia no MEC
O Globo
A menos de duas semanas da aplicação do
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que começa no dia 21 de novembro, o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
responsável pela prova, está mergulhado no caos. Na segunda-feira, mais de 30
servidores que ocupavam cargos de coordenação pediram exoneração, ampliando a
crise que domina não só o Inep, mas todo o Ministério da Educação (MEC) sob a
gestão claudicante do pastor Milton Ribeiro.
A debandada se torna mais preocupante
porque os funcionários pertencem à diretoria de gestão e planejamento,
justamente a área que cuida da logística e da supervisão dos contratos do Enem.
Os servidores culpam a “situação sistêmica do órgão” e a “fragilidade técnica e
administrativa” do atual presidente, Danilo Dupas, quarto a comandar o Inep no
governo Bolsonaro.
O pedido de demissão coletiva aconteceu
após sucessivas crises. Na semana passada, já haviam deixado o cargo dois
coordenadores ligados à aplicação do Enem. No total, 37 pediram afastamento nos
últimos dias. Em assembleia na quinta-feira, servidores acusaram Dupas de
assédio moral. Disseram que sua administração fragiliza o instituto e que o
medo é a tônica no ambiente de trabalho. Os problemas não afetam apenas o Enem,
mas também o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Com Milton Ribeiro no MEC, o Inep se tornou
uma fábrica de crises. Em abril, a exoneração da pedagoga Sueli Macedo
Silveira, responsável pela avaliação do ensino superior, já provocara rebelião
interna. Vários funcionários puseram o cargo à disposição. Servidora de
carreira desde 2008, ela foi substituída por uma médica veterinária. “Estamos
ferindo de morte o órgão diretor da educação brasileira. É muito grave e é
problema de Estado”, diz Marcus Vinícius Rodrigues, primeiro presidente do Inep
na gestão Bolsonaro. “Onde está a cabeça desse ministro? É só desconhecimento
ou também má-fé?”
Inépcia, arrogância e aparelhamento
ideológico são as marcas da gestão Ribeiro. No fim do ano passado, ele insistiu
em manter o Enem 2020, quando todos os sinais indicavam forte escalada da
pandemia. O exame, aplicado em janeiro, foi um fracasso, com abstenção
histórica de 51,5%. Alheio à realidade, Ribeiro considerou tudo “um sucesso”.
Para o Enem 2021, em mais uma decisão equivocada, vetou a isenção da taxa de
inscrição aos que faltaram à prova durante a pandemia, prejudicando
principalmente os mais carentes. O ato foi revertido tardiamente na Justiça.
A debandada do Inep é apenas a última na
série aparentemente ilimitada de crises da gestão Ribeiro (da incapacidade de
usar as verbas do ministério na pandemia à defesa estapafúrdia de salas
especiais para deficientes). Não se sabe como afetará o Enem. O certo é que
estudantes não podem ser prejudicados pela incompetência do governo. Eles
sofreram com escolas fechadas, enfrentaram as agruras do ensino remoto pífio e
não puderam se preparar a contento para a prova que dá acesso à universidade.
Infelizmente, as únicas preocupações de Ribeiro são as obsessões da cartilha
bolsonarista: ensino domiciliar, escolas cívico-militares, o filtro ideológico
no próprio Enem e outras patacoadas. Num país em que educação é o fator crítico
para o desenvolvimento, não dá para manter no cargo ministro tão inepto.
É descabida a proibição de passaporte
sanitário em projetos da Lei Rouanet
O Globo
Não tem cabimento a portaria da Secretaria
Especial da Cultura que veta a exigência de passaporte sanitário em projetos
financiados pela Lei Rouanet. A medida, assinada pelo secretário Mario Frias e
publicada na segunda-feira no Diário Oficial da União, prevê reprovação da
proposta ou, no caso de eventos contemplados com o benefício, multa para quem
desrespeitar a norma. A portaria ressalta que não pode haver discriminação
entre vacinados e não vacinados em projetos da Lei Rouanet.
Claramente a Secretaria da Cultura
extrapola suas atribuições. Não cabe ao órgão interferir numa questão que diz
respeito à saúde pública durante uma pandemia que já matou quase 610 mil
brasileiros. Por motivos óbvios, atividades culturais, muitas praticadas em
ambientes fechados, estão sujeitas a normas locais, impostas por estados e
municípios, que receberam aval do Supremo Tribunal Federal (STF) para
estabelecer medidas de combate à Covid-19. Nem o Ministério da Saúde teria
autoridade para isso, que dizer da Secretaria da Cultura? A portaria é
flagrantemente abusiva.
Acima de qualquer coerência, parece haver
uma obsessão em se alinhar às primeiras fileiras do negacionismo do presidente
Jair Bolsonaro. Não é acaso que o Ministério do Trabalho tenha tomado decisão
semelhante. No início do mês, o ministro Onyx Lorenzoni publicou portaria que
proíbe empregadores de exigir carteira de vacinação. A iniciativa, que
classifica como discriminatória a exigência de comprovante de imunização para
contratação ou manutenção no emprego, vai na contramão da prática das empresas
e de decisões recentes da Justiça do Trabalho.
É preciso ficar claro que a exigência de
passaporte sanitário, adotada por empresas, repartições públicas, governos
estaduais e prefeituras em todo o Brasil, não é uma invenção nacional. No mundo
todo, a comprovação de vacinação tem sido um instrumento eficaz para controlar
a pandemia e permitir a retomada com segurança das atividades econômicas. É uma
maneira de preservar a saúde da população. No Brasil, onde hoje há vacinas
disponíveis a todos, e os índices de vacinação têm subido gradualmente, não há
por que deixar de exigir o comprovante.
Fazem bem os parlamentares que se mobilizam
para apresentar projetos legislativos que visam a derrubar a portaria da
Cultura. Apesar disso, numa Câmara dominada pelo Centrão, sempre pronta a se
submeter aos desígnios de Bolsonaro em troca de cargos e verbas para emendas
secretas, não é provável que essas propostas prosperem. O caminho do Judiciário
parece mais curto.
É triste ver em que se transformou a Secretaria da Cultura, que deveria ter papel de destaque em qualquer governo, mas tem se notabilizado por censurar projetos (como aconteceu com o Festival de Jazz do Capão, vetado por motivos ideológicos), por se intrometer no uso de linguagem neutra em atividades financiadas pela Lei Rouanet e, agora, por tentar intervir de forma descabida na saúde pública. De cultura mesmo, nada. Não deixa de ser um espelho do governo Bolsonaro.
Sem respostas para a crise, governo
argentino perde apoio
Valor Econômico
A Argentina segue em beco sem saída
O governo argentino vai enfrentar dois
desafios que podem selar seu destino já na metade do mandato e abrir as portas
para o acirramento da crise econômica atual. A coalizão Frente de Todos caminha
para a derrota nas eleições de domingo, onde estarão em disputa metade das
cadeiras da Câmara dos Deputados e um terço das do Senado. Há sério risco de
que os governistas percam a maioria no Senado, limitando seriamente a margem de
ação do presidente Alberto Fernández. Em outra frente crucial, a da dívida
externa, o governo argentino não quer começar a pagar o empréstimo de US$ 45
bilhões do Fundo Monetário Internacional e negocia tendo essa premissa inviável
como norte.
As primárias livres e obrigatórias de 12 de
setembro, uma prévia das legislativas de domingo, acenderam um sinal vermelho
na Casa Rosada. A Frente de Todos obteve 31% dos votos nacionais, contra 40% da
rival Juntos pela Mudança, perdendo nos principais centros eleitorais do país,
em especial na estratégica Província de Buenos Aires, antes dominada pelos
peronistas. As últimas pesquisas apontam que a perspectiva eleitoral do governo
não mudou, se é que não piorou, mesmo após as medidas tomadas pelo governo.
Após a derrota de setembro, Cristina
Kirchner pôs Alberto Fernández em xeque, exigiu e obteve trocas no governo após
ordenar aos ministros kirchneristas que entregassem cartas de demissão. A
vice-presidente mostrou sua força, diretamente proporcional à fraqueza de
Alberto, mas perdem com a popularidade em queda de ambos, em que quase se
igualam (31% e 33%, respectivamente).
O governo decretou o congelamento de preços
de 1.400 produtos, uma medida tão recorrente quanto inócua adotada por governos
peronistas. O salário mínimo foi aumentado antes do tempo, mas essas e outras
ações continuam sendo minadas por uma inflação alta e em elevação. Com 3,5% em
setembro, ela alcançou 52,5% em doze meses.
O Banco Central continua financiando o
déficit primário, que corre na faixa de 1,3% do PIB, ao qual se acrescentam
dívidas com juros de 3% do PIB, com alguma melhora em relação aos últimos anos
do governo de Mauricio Macri, não o suficiente, porém, para indicar o caminho
da normalidade orçamentária nem sustentabilidade macroeconômica. Como sintoma
de desconfiança, o dólar paralelo (blue) encostou em 200 pesos e por alguns
momentos atingiu o dobro da cotação oficial, que também sobe.
Não há, porém, como se livrar da asfixia de
uma economia que não tem fontes de financiamento relevantes que não as das
emissões monetárias. Em dezembro vence US$ 1,88 bilhão de compromissos
externos, o que reduziria as reservas líquidas a apenas US$ 2,5 bilhões. No ano
que vem as contas a vencer são maiores. Em março, há que pagar US$ 2,8 bilhões
ao FMI, parcela de um vencimento anual de US$ 19 bilhões. Não há como fazê-lo
sem novo acordo com o FMI, em negociação há um ano e com fim previsto até
março.
A estratégia de kirchneristas e peronistas
de diversos matizes diante do estrangulamento externo da dívida é culpar os
credores por terem emprestado o dinheiro. É o que estão fazendo agora. Até
mesmo o ministro da Economia, Martín Guzmán, deixou seu papel de técnico de
lado para vestir o uniforme de político, ao declarar que o dinheiro do Fundo
foi usado para reeleger Macri (que perdeu a eleição).
O próprio ex-presidente Mauricio Macri, que
fez um governo ruim, deu, incrivelmente, argumentos que fortalecem os
peronistas, ao dizer que os empréstimos do FMI “foram usados para pagar bancos
comerciais que queriam sair com medo de uma volta do kirchnerismo”. Em suma,
para financiar a saída de capitais em um país com carência de dólares -
aberrante falta de espírito público.
Macri recebeu uma herança maldita de
Cristina Kirchner, não arrumou a economia e a entregou mais carregada de
dívidas a Alberto Fernández, que tem uma receita errada para debelar a crise
que se agrava. Se a culpa pelos empréstimos é dos credores e não do governo
nacional, a Argentina se dá ao direito de falar grosso em uma situação
pré-falimentar. “Queremos crescer e pagar, mas nesta ordem”, disse o embaixador
argentino nos EUA, Jorge Argüello. Ou seja, argumentos semelhantes aos nove
calotes que o país já deu.
O ministro da Economia diz que sua receita de recuperação vai bem, embora os analistas procurem tanto a fórmula quanto os resultados e não os encontrem. A Argentina segue em beco sem saída.
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