quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro em fase de destruição fina

Folha de S. Paulo

Governo não tem dinheiro para reajuste de servidor e também alugar o centrão 

Gente que vai deixar de receber auxílio emergencial faz fila para entrar no Cadastro Único, a lista de quem quer receber o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família. A partir de agora, uns 19 milhões vão ficar sem auxílio emergencial e sem Auxílio Brasil.

De modo discreto, essa fila da fome apareceu aqui e ali, em jornais e TVs. Não se dá muita bola para esses "invisíveis" à vista.

De modo espalhafatoso, Jair Bolsonaro disse que quer dar aumento para os servidores federais. Se conseguir, não vai sobrar mais nada daqueles R$ 91,6 bilhões que pretende arrumar com o calote dos precatórios e com o reajuste do teto de despesas do governo.

Não sobraria nada para aumentar o dinheiro de emendas parlamentares: para pagar o aluguel do centrão. Não sobraria nada para aqueles 19 milhões na fila da fome. Já não estava previsto que essas pessoas recebessem ajuda. Agora, Bolsonaro junta insulto ao prejuízo.

Se não usar o dinheiro da PEC, como quer Bolsonaro, o governo terá de cortar em outra parte: acabar de destruir a ciência ou nem fazer obra de tapar buraco em estrada.

O reajuste dos servidores levaria poucos votos novos para Bolsonaro. Afetaria uns 2 milhões de pessoas, a maioria das quais o rejeita até se mumificado e pintado de ouro.

O que quer Bolsonaro? Entrou na fase Nero final?

Entre algumas pessoas que administram grandes dinheiros, a impressão que ficou é de que Bolsonaro vai para o "nada ou nada", como disse um tesoureiro de bancão: não vai ganhar voto com as voadoras eleitoreiras e vai "tocar fogo na economia".

Bolsonaro passou a impressão de que pode fazer ainda qualquer negócio para aumentar as despesas de modo tresloucado e inepto. Na prática, não é tão simples. Mas, na percepção de quem observa a economia e administra dinheiro, Bolsonaro está desembestado de vez.

Se a PEC dos Precatórios passasse como o governo quer, daria quase R$ 92 bilhões de gasto extra. Descontem-se daí o aumento de despesa com o Auxílio Brasil, com o gasto obrigatório elevado por causa da inflação disparada e com o desconto de impostos sobre a folha salarial de empresas. Sobram uns R$ 15 bilhões. Um reajuste de 5% para os servidores dá mais do que isso. Não sobraria mais nada, pois. Nem para o vale-gás, quase aprovado no Congresso.

O Auxílio Brasil aumentaria o valor mensal do Bolsa Família e incluiria mais uns 3 milhões no pacote (17 milhões de famílias, no total). Outras 19 milhões que ora recebem o auxílio emergencial ficam sem nada. Muita gente que vai receber esse Bolsa Família menos magro já detesta Bolsonaro. Quem vai perder tudo, vai achar o quê? Qual o saldo eleitoral disso? Talvez negativo.

Haverá mais débitos socioeconômicos e político-eleitorais. Bolsonaro jogou no lixo a recuperação que vinha bem até o primeiro trimestre. A zorra golpista, a pregação da morte na epidemia, o desgoverno da economia, tudo isso e algo mais encareceu o dólar e elevou inflação e juros. Mais gente não vai conseguir emprego. Vai viver de bicos e trocados, se tanto.

O valor que vai sair da PEC dos Precatórios ainda depende de votos no Senado. No limite, pode até cair. Então, o governo talvez queira editar um decreto de calamidade para gastar ou pedir "créditos extraordinários" a fim de bancar o Auxílio Brasil, o que pode ser ilegal. É mais provável que parlamentares façam um arranjo qualquer com a PEC, limitando o estrago ao que já se sabe. Mas a hipótese de idiotice extra está na mesa ou, melhor, na roleta russa de Bolsonaro, no cano que ele encostou na cabeça do país. Pelo menos, o receio agora é esse, o vale-tudo final de Bolsonero.

 

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