Folha de S. Paulo / O Globo
Pequim aderiu à diplomacia de segunda
A revelação veio do repórter Marcelo Ninio.
Depois que a China suspendeu a importação de carne bovina brasileira, a
ministra da Agricultura, Tereza Cristina, pediu hora para falar ao telefone com
seu equivalente, e Pequim respondeu que ele estava sem espaço na agenda. No
pedido, não se havia especificado dia nem hora. A resposta esfarrapada foi
grosseria inédita para uma diplomacia experimentada como a do Império do Meio.
De um lado, ela mostra como a China é capaz de jogar bruto quando acha que está numa posição de força. De outro, ensina que o governo do capitão cultiva malcriações delirantes, mas é, acima de tudo, disfuncional.
A China embargou as importações de carne
bovina no início de setembro, acompanhando uma iniciativa pontual do governo.
Suspendeu as vendas por causa da ocorrência de dois casos da doença da vaca
louca. Desde então, foram remetidas informações às autoridades sanitárias
chinesas, mostrando a natureza isolada dos episódios. Passaram-se mais de dois
meses, e o embargo continua. Se o ano terminar sem que a barreira seja
levantada, a pecuária brasileira poderá perder até R$ 10 bilhões em negócios.
O recurso a embargos comerciais como forma
de pressão diplomática é coisa velha. O pelotão palaciano acredita em mulas sem
cabeça e cultivou a crença segundo a qual os chineses precisam das proteínas
brasileiras. Os fornecedores da Europa e do Cazaquistão agradecem, pois estão
ocupando o espaço aberto no mercado chinês.
A disfuncionalidade do governo brasileiro
tem de tudo. Já houve um chanceler que dizia ser um pária orgulhoso, e o
presidente diz o que lhe vem à cabeça. O Itamaraty perdeu a relevância nas
negociações internacionais. Foi substituído por uma diplomacia de compadrio de
maus resultados. Joe Biden está na Casa Branca, e Steve Bannon, guru de Trump e
de Bolsonaro, está sem o passaporte. O embaixador do Planalto para a África do
Sul (Marcelo Crivella) está no sereno, sem agrément. O telefonema do capitão ao
presidente Cyril Ramaphosa resultou num desprestígio inútil. O caso do embargo
ilustra quanto custa desprezar a máquina institucional do Estado.
A funcionalidade exigiria que o assunto,
apesar da natureza comercial, fosse coordenado pelo Itamaraty. Ministros de
outras pastas ajudam, orientam, mas não devem tomar iniciativas. Quando a
ministra Tereza Cristina anunciou, em meados de outubro, que estava disposta a
ir a Pequim para negociar o fim do embargo, foi para a chuva. Ao pedir agenda
para um telefonema a seu colega chinês, molhou-se. É verdade que não lhe
restavam outros caminhos, pois a embaixada do Brasil em Pequim ficou sem canais
para cuidar de um assunto como o embargo, já que o Planalto já fez sucessivas
malcriações com a embaixada chinesa em Brasília. A reciprocidade, como o hábito
de escovar os dentes, faz parte do cotidiano da diplomacia.
O tranco chinês era coisa previsível, questão de quando e como. O silêncio numa questão que envolve o agronegócio e o Ministério da Agricultura indica que há um certo método do jogo bruto. Deram um joelhaço nos aliados potenciais numa negociação racional. Foi o recado de uma diplomacia de segunda classe, recíproco, porém de má qualidade.
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