Valor Econômico
Histórico recomenda cautela com declarações
e anúncios feitos em encontros de chefes de Estado ou governo
Jair Bolsonaro pede investimentos em Dubai.
Paulo Guedes diz que a comitiva no Oriente Médio está atraindo petrodólares.
Fábio Faria posa ao lado de Elon Musk e fala sobre uma parceria com a SpaceX
para conectar regiões remotas da Amazônia com internet por satélite. Tarcísio
Freitas garante que o capital árabe vai chegar em peso nas próximas concessões.
Visitas presidenciais costumam ser ótimas ocasiões para promover um país e
estabelecer contatos de alto nível. Estreitam relações, frequentemente servem
como oportunidade para desatar nós, impulsionam acordos travados por algum
impasse técnico. Mas o histórico recomenda cautela, muita cautela, com declarações
e anúncios feitos em encontros de chefes de Estado ou governo.
Em outubro de 2019, Bolsonaro e seus ministros anunciavam em Riad um aporte de US$ 10 bilhões da Arábia Saudita em grandes projetos de infraestrutura no Brasil. Entusiasmado, Onyx Lorenzoni já comentava até quais eram as obras preferidas do governo para receber esse dinheiro. Dois anos depois, nenhum tostão chegou aqui.
Normalmente, os anúncios têm
desdobramentos. De fato, seria injustiça dizer que nada aconteceu. Em agosto de
2020, dez meses depois da visita de Bolsonaro a Riad, autoridades dos dois
lados se reuniram em caráter virtual. Os brasileiros fizeram um resumo do
quadro econômico, apresentaram a carteira completa de projetos e pediram
atenção especial a quatro deles: a Ferrogrão, a gestão operacional dos dois
eixos de transposição do rio São Francisco, novas concessões de saneamento e o
perímetro de irrigação do Baixio do Irecê (BA).
Logo de cara, representantes do fundo
soberano saudita - PIF, na sigla em inglês, o oitavo maior do mundo - deixaram
claro o espírito das conversas: não era favor nenhum, estavam de olho em
oportunidades de mercado, com rentabilidade interessante, ninguém ali se
dispunha a flertar com perda financeira em nome de alguma aliança política. O
recado foi bem entendido, as duas partes continuaram trabalhando em conjunto, o
Brasil ainda espera a entrada do PIF no “equity” de alguma grande concessão que
venha a ser leiloada. Até agora, porém, rigorosamente nada.
Que fique claro: investimentos frustrados
não são exclusividade do governo Bolsonaro. Em 2015, o primeiro-ministro da
China fez uma visita para lá de midiática ao Brasil. Ao lado de Dilma Rousseff,
anunciou um fundo bilateral de US$ 20 bilhões para apoiar projetos na área
industrial e de infraestrutura que fizessem sentido para ambos os países.
O fundo até foi estruturado, em 2018, e
começou a analisar os primeiros empreendimentos para financiar. Escolheu a
linha de transmissão de Belo Monte como prioridade. Em meio às provocações da
campanha, que foram desde uma forte retórica anti-China até uma viagem da
família Bolsonaro para Taiwan (tida como ofensa em Pequim), o fundo travou.
Nunca mais foi retomado. Mais uma frustração.
E a fábrica de US$ 12 bilhões da taiwanesa
Foxconn que prometeram para produzir eletrônicos de ponta, alguém lembra? E os
investidores que acenavam, em “road shows” do governo brasileiro no exterior,
com maior participação nos leilões de infraestrutura? “Quem vai querer ficar de
fora?”, era a pergunta retórica do ministro Tarcísio ao falar sobre ativos como
a Via Dutra. Veio a relicitação da principal rodovia do país, com fluxo de
tráfego conhecido e diversos mecanismos contratuais para atenuar riscos, e quem
entrou na disputa? CCR e Ecorodovias.
Visitas presidenciais, boa promoção
comercial e “road shows” ajudarão sempre. Se alguém entendeu as frustrações
como sinal de desimportância dessas iniciativas ou de fundos bilaterais,
entendeu errado. Só convém cautela, muita cautela com anúncios espalhafatosos e
o gogó de “grandes investidores”.
O trabalho que rende mais fruto é aquele de
formiguinha, com medidas para melhorar a segurança jurídica e o ambiente de
negócios, longe dos holofotes. Mas nem sempre vamos bem aí. Na semana em que
Bolsonaro anunciava o investimento de US$ 10 bilhões do fundo saudita, o
ex-prefeito Marcelo Crivella mandava tratores derrubarem as cancelas de pedágio
da Linha Amarela no Rio. Se havia abuso nas tarifas, rescisão contratual existe
para isso. É jogo jogado. Tratorada, não. No ranking do Fórum Econômico
Mundial, o Brasil ocupa apenas o 120º lugar em eficiência do aparato legal para
a resolução de disputas.
O ex-embaixador do Qatar em Brasília
costumava falar, com rara franqueza, sobre o porquê de seu país não despejar
mais petrodólares por aqui: a falta de um bom acordo de proteção de
investimentos. Para quem acha bobagem, o fundo soberano do Qatar é dono da
Harrods (a loja de departamentos mais chique de Londres) e do Paris Saint-
Germain (aquele mesmo do Neymar e do Messi), é acionista minoritária da
Volkswagen e do aeroporto de Heathrow, mas praticamente ignora o Brasil.
O Brasil tem acordos de “facilitação” de
investimentos, com mais de dez países da América Latina e da África, fora do
modelo geralmente adotado na OCDE. Os países ricos, como EUA e os europeus,
costumam fazer acordos de “proteção” de investimentos com uma cláusula
investidor-Estado. Caso o investidor se sinta lesado, tem o direito de ir
diretamente a um tribunal estrangeiro ou a uma câmara de arbitragem
internacional contra o país- signatário que recebeu seus aportes. Na versão dos
acordos assinados pelo Brasil, o que existe é a cláusula Estado-Estado. Só um
Estado nacional pode levar a litígio outro Estado nacional. Se o investidor
está insatisfeito, antes precisa convencer o governo de seu país. E aí entra a
diplomacia: não é apenas o fator econômico, mas o relacionamento entre países
que determina a abertura ou não de uma arbitragem. Pior para a empresa que fez
um investimento e se deu mal.
Qual tipo de acordo é mais conveniente para
os interesses brasileiros rende debate. O que tudo isso mostra é que visitas
presidenciais serão sempre positivas, mas outros aspectos pesam muito mais na
decisão de investidores: segurança jurídica, estabilidade política e
institucional, boas perspectivas de crescimento da economia.
Talvez nada seja mais relevante do que isso
- boas perspectivas de crescimento da economia. Do contrário, China e Índia,
não propriamente um paraíso da segurança jurídica, estariam na rabeira dos
investimentos. O PIB do Brasil anda de lado há quase dez anos. Desse jeito,
haverá ainda muitas promessas em vão.
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