quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Daniel Rittner - Visitas presidenciais e promessas bilionárias

Valor Econômico

Histórico recomenda cautela com declarações e anúncios feitos em encontros de chefes de Estado ou governo

Jair Bolsonaro pede investimentos em Dubai. Paulo Guedes diz que a comitiva no Oriente Médio está atraindo petrodólares. Fábio Faria posa ao lado de Elon Musk e fala sobre uma parceria com a SpaceX para conectar regiões remotas da Amazônia com internet por satélite. Tarcísio Freitas garante que o capital árabe vai chegar em peso nas próximas concessões. Visitas presidenciais costumam ser ótimas ocasiões para promover um país e estabelecer contatos de alto nível. Estreitam relações, frequentemente servem como oportunidade para desatar nós, impulsionam acordos travados por algum impasse técnico. Mas o histórico recomenda cautela, muita cautela, com declarações e anúncios feitos em encontros de chefes de Estado ou governo.

Em outubro de 2019, Bolsonaro e seus ministros anunciavam em Riad um aporte de US$ 10 bilhões da Arábia Saudita em grandes projetos de infraestrutura no Brasil. Entusiasmado, Onyx Lorenzoni já comentava até quais eram as obras preferidas do governo para receber esse dinheiro. Dois anos depois, nenhum tostão chegou aqui.

Normalmente, os anúncios têm desdobramentos. De fato, seria injustiça dizer que nada aconteceu. Em agosto de 2020, dez meses depois da visita de Bolsonaro a Riad, autoridades dos dois lados se reuniram em caráter virtual. Os brasileiros fizeram um resumo do quadro econômico, apresentaram a carteira completa de projetos e pediram atenção especial a quatro deles: a Ferrogrão, a gestão operacional dos dois eixos de transposição do rio São Francisco, novas concessões de saneamento e o perímetro de irrigação do Baixio do Irecê (BA).

Logo de cara, representantes do fundo soberano saudita - PIF, na sigla em inglês, o oitavo maior do mundo - deixaram claro o espírito das conversas: não era favor nenhum, estavam de olho em oportunidades de mercado, com rentabilidade interessante, ninguém ali se dispunha a flertar com perda financeira em nome de alguma aliança política. O recado foi bem entendido, as duas partes continuaram trabalhando em conjunto, o Brasil ainda espera a entrada do PIF no “equity” de alguma grande concessão que venha a ser leiloada. Até agora, porém, rigorosamente nada.

Que fique claro: investimentos frustrados não são exclusividade do governo Bolsonaro. Em 2015, o primeiro-ministro da China fez uma visita para lá de midiática ao Brasil. Ao lado de Dilma Rousseff, anunciou um fundo bilateral de US$ 20 bilhões para apoiar projetos na área industrial e de infraestrutura que fizessem sentido para ambos os países.

O fundo até foi estruturado, em 2018, e começou a analisar os primeiros empreendimentos para financiar. Escolheu a linha de transmissão de Belo Monte como prioridade. Em meio às provocações da campanha, que foram desde uma forte retórica anti-China até uma viagem da família Bolsonaro para Taiwan (tida como ofensa em Pequim), o fundo travou. Nunca mais foi retomado. Mais uma frustração.

E a fábrica de US$ 12 bilhões da taiwanesa Foxconn que prometeram para produzir eletrônicos de ponta, alguém lembra? E os investidores que acenavam, em “road shows” do governo brasileiro no exterior, com maior participação nos leilões de infraestrutura? “Quem vai querer ficar de fora?”, era a pergunta retórica do ministro Tarcísio ao falar sobre ativos como a Via Dutra. Veio a relicitação da principal rodovia do país, com fluxo de tráfego conhecido e diversos mecanismos contratuais para atenuar riscos, e quem entrou na disputa? CCR e Ecorodovias.

Visitas presidenciais, boa promoção comercial e “road shows” ajudarão sempre. Se alguém entendeu as frustrações como sinal de desimportância dessas iniciativas ou de fundos bilaterais, entendeu errado. Só convém cautela, muita cautela com anúncios espalhafatosos e o gogó de “grandes investidores”.

O trabalho que rende mais fruto é aquele de formiguinha, com medidas para melhorar a segurança jurídica e o ambiente de negócios, longe dos holofotes. Mas nem sempre vamos bem aí. Na semana em que Bolsonaro anunciava o investimento de US$ 10 bilhões do fundo saudita, o ex-prefeito Marcelo Crivella mandava tratores derrubarem as cancelas de pedágio da Linha Amarela no Rio. Se havia abuso nas tarifas, rescisão contratual existe para isso. É jogo jogado. Tratorada, não. No ranking do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa apenas o 120º lugar em eficiência do aparato legal para a resolução de disputas.

O ex-embaixador do Qatar em Brasília costumava falar, com rara franqueza, sobre o porquê de seu país não despejar mais petrodólares por aqui: a falta de um bom acordo de proteção de investimentos. Para quem acha bobagem, o fundo soberano do Qatar é dono da Harrods (a loja de departamentos mais chique de Londres) e do Paris Saint- Germain (aquele mesmo do Neymar e do Messi), é acionista minoritária da Volkswagen e do aeroporto de Heathrow, mas praticamente ignora o Brasil.

O Brasil tem acordos de “facilitação” de investimentos, com mais de dez países da América Latina e da África, fora do modelo geralmente adotado na OCDE. Os países ricos, como EUA e os europeus, costumam fazer acordos de “proteção” de investimentos com uma cláusula investidor-Estado. Caso o investidor se sinta lesado, tem o direito de ir diretamente a um tribunal estrangeiro ou a uma câmara de arbitragem internacional contra o país- signatário que recebeu seus aportes. Na versão dos acordos assinados pelo Brasil, o que existe é a cláusula Estado-Estado. Só um Estado nacional pode levar a litígio outro Estado nacional. Se o investidor está insatisfeito, antes precisa convencer o governo de seu país. E aí entra a diplomacia: não é apenas o fator econômico, mas o relacionamento entre países que determina a abertura ou não de uma arbitragem. Pior para a empresa que fez um investimento e se deu mal.

Qual tipo de acordo é mais conveniente para os interesses brasileiros rende debate. O que tudo isso mostra é que visitas presidenciais serão sempre positivas, mas outros aspectos pesam muito mais na decisão de investidores: segurança jurídica, estabilidade política e institucional, boas perspectivas de crescimento da economia.

Talvez nada seja mais relevante do que isso - boas perspectivas de crescimento da economia. Do contrário, China e Índia, não propriamente um paraíso da segurança jurídica, estariam na rabeira dos investimentos. O PIB do Brasil anda de lado há quase dez anos. Desse jeito, haverá ainda muitas promessas em vão.

 

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